A arrecadação fiscal do Rio Grande do Norte pode sofrer uma perda de R$ 105 milhões, caso a proposta defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) de mudar o cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incide sobre os combustíveis seja aprovada. Como o imposto é repartido com prefeituras, isso significaria um repasse de R$ 26 milhões a menos para os municípios potiguares. A estimativa, publicada no final da semana passada, é da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

A estimativa da CMN, elaborada por seu departamento de estudos técnicos, se valeu das informações das arrecadações estaduais de 2019. No estudo, a CNM simulou dois cenários para analisar se de fato haveria uma neutralidade arrecadatória, como defende Lira. Essa neutralidade pode ser entendida como a ausência de queda arrecadatória para os Entes aliada ao não aumento da carga tributária para a população, apontada pelo movimento municipalista como inviável.

No primeiro cenário, a entidade mostra que, havendo neutralidade para a sociedade, 20 Unidades da Federação, incluindo o Rio Grande do Norte, perdem cerca de R$ 5,5 bilhões, incluindo governos estaduais e municipais. De acordo com a estimativa da entidade, as alíquotas que resultariam em uma “carga neutra” para os consumidores seriam R$ 0,49 por litro de diesel, R$ 1,19 por litro de gasolina e R$ 0,48 por litro de etanol.

A distorção acontece porque São Paulo e mais cinco estados apresentam um grande volume de vendas de combustível e seus saldos positivos cobrem as perdas dos outros estados. O Estado de São Paulo seria o maior “ganhador”, com um incremento de R$ 3,865 bilhões em sua arrecadação de ICMS sobre combustíveis.

“Como a definição da alíquota única, segundo o substitutivo, ocorreria por deliberação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que ocorre por maioria de 2/3, além de 1/3 de cada região, esse patamar de alíquota jamais seria aprovado”, aponta a CNM.

Já o segundo cenário preconiza garantir que todos os Estados não tenham perdas de arrecadação. Como consequência, haveria significativa ampliação do custo para a sociedade em razão do aumento de carga tributária de R$ 17,5 bilhões, totalizando totalizando uma arrecadação nacional de R$ 97,5 bilhões, um aumento de 21,92% frente à arrecadação vigente. Nesse cenário, a CNM elevou as alíquotas para R$ 0,60 por litro de diesel, R$ 1,40 por litro de gasolina e R$ 0,68 por litro de etanol.

“Adicionalmente, fixar um valor por litro evita o aumento do tributo em um eventual aumento do preço, porém também impede redução em eventual queda. Nessa última hipótese, a composição do tributo no preço final vai aumentar”, aponta o estudo.

Arthur Lira defende a adoção de uma uniformização da alíquota para todo o País e que seja ad rem (valor fixo por litro de combustível, ao invés da ad valorem, quando incide um percentual). O valor fixo por litro do combustível seria calculado a partir da média dos últimos dois anos – a exemplo de impostos federais PIS, Cofins e Cide, também incidentes sobre o produto.

Se aprovado, os Estados e o Distrito Federal deverão regulamentar a nova lei por meio do Confaz, órgão que reúne secretários estaduais de Fazenda, no prazo de 90 dias.

Faca de dois gumes

A adoção de um valor fixo é apontada como uma faca de dois gumes pela entidade. “Fixar um valor fixo por litro evita o aumento do tributo em um eventual aumento do preço, porém também impede redução em eventual. Nessa última hipótese, a composição do tributo no preço final vai aumentar”, relata o parecer.

A CNM qualifica o PLP 11/2021 como “inviável” e afirma existir espaço para redução dos impostos federais, concentrando o impacto da arrecadação na União. Como exemplo, a entidade cita que a Cide e o PIS/Cofins representam um custo de R$ 0,89 por litro.

O imposto é a principal receita arrecadada pelos Estados, com impactos ainda sobre as receitas municipais por meio das transferências da cota-parte de 25% devida. Em 2020, a arrecadação do imposto no Brasil, exceto Distrito Federal, totalizou R$ 514 bilhões. A arrecadação de ICMS sobre diesel, gasolina e etanol hidratado correspondeu, em 2020, a 15,39% do valor total arrecadado – R$ 80,2 bilhões –, sendo a cota-parte dos Municípios de R$ 19,6 bilhões.

No caso do Rio Grande do Norte, que tem um ICMS de 29% sobre o preço da gasolina comum, o imposto vem tendo um peso importante no faturamento do Estado com tributos.

O mais recente Boletim de Atividade Econômica divulgado pela Secretaria Estadual de Tributação (SET-RN), de agosto deste ano, informa que, dentre os setores econômicos analisados, o comércio de combustíveis impulsionou um aumento de 65,1% na arrecadação em relação a agosto de 2020. Já a energia elétrica garantiu um crescimento de 26,41%, enquanto o varejo representou 10,52% e o atacado, 8,1%.

A disparada nos preços dos combustíveis e sua consequente arrecadação garantiram um recorde no ganho tributário do Estado em agosto. Foram R$ 659 milhões (com origem no ICMS, IPVA e ITCD), uma elevação de 23%, comparando ao mesmo mês do ano passado.

Secretários de Tributação criticam proposta

Secretários de tributação do Estado e de Natal consideram a proposta inócua e sugerem outras alternativas para amenizar o peso dos aumentos no bolso do consumidor. O presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte, Anteomar “Babá” Pereira, preferiu não opinar sobre o assunto.

O secretário municipal de Tributação, Ludenilson Araújo, é um crítico da proposta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, por ela não tocar nas duas variáveis mais importantes na formação do preço dos combustíveis: o preço internacional do petróleo e a cotação do dólar. Ele não quis comentar sobre as estimativas do CNM.

Também aponta para o poder do governo do Estado de enviar uma proposta à Assembleia Legislativa para modificar a tributação. “Um documento com três linhas poderia propor uma mudança na alíquota estadual”, diz Araújo.

Para ele, se o setor público realmente quiser promover um alívio no bolso do contribuinte, existem outras ferramentas, como a tipificação dos combustíveis. No sistema tributário brasileiro, a gasolina comum está no grupo dos produtos considerados supérfluos, de luxo ou nocivos para a saúde e para o meio ambiente e, por isso, tem as taxações mais altas.

“Os combustíveis poderiam ser considerados bens essenciais. É inquestionável o papel dos transportes na vida das pessoas, além de ser insumo base para trabalhadores como motoristas de aplicativos, que perdem muito com o aumento dos preços”, fala.
O secretário estadual de Tributação, Carlos Eduardo Xavier, preferiu esperar uma melhor definição da proposta. Mas, em uma declaração na semana passada disse que a proposta de Arthur Lira altera “equivocadamente” a maneira de taxar os combustíveis.

“A iniciativa não ataca o problema, não altera a política de preços da Petrobras e onera os cofres dos Estados”, afirma Xavier.

Como alternativa, ele defende a criação de um fundo pelo governo federal para absorver a variação de preços, evitando o repasse aos consumidores.

Impacto da alíquota única
Estimativas da Confederação Nacional dos Municípios

CENÁRIO 1
Gera a mesma arrecadação agregada de ICMS (carga neutra)

Alíquotas – ICMS por Litro (R$)
Diesel (R$ 0,49)
Gasolina (R$ 1,19)
Etanol (R$ 0,49)

20 estados perdem cerca de R$ 5,5 bilhões, incluindo governos estaduais e municipais

  • O Rio Grande do Norte perde R$ 105 milhões
  • O repasse para os municípios potiguares reduz em R$ 26 milhões

Únicos estados que ganham: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Amapá

CENÁRIO 2
Gera perda zero para todas as Unidades da Federação

Alíquotas – ICMS por Litro (R$)
Diesel (R$ 0,60)
Gasolina (R$ 1,40)
Etanol (R$ 0,68)

  • Os estados não tem perdas de arrecadação. Porém, haveria, segundo a simulação, um aumento na carga tributária em torno de R$ 17,5 bilhões
  • O Rio Grande do Norte ganharia R$ 79 milhões
  • O repasse aos municípios potiguares aumentaria em R$ 20 milhões

Fonte: Tribuna do Norte
Foto: Ana Silva