A fofoca é democrática e destruidora
O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa tinha 58 anos quando lançou o “Tratado Geral sobre a Fofoca”. E pôs o dedo na ferida de um país repleto de vigilantes da vida alheia, que têm opiniões sobre tudo e todos – menos sobre eles próprios, evidentemente.

Esses fofoqueiros são os primeiros a acordar e os últimos a dormir quando a tarefa é falar mal de alguém, tamanha sua convicção acerca das suas próprias qualidades e dos defeitos dos outros.

Gaiarsa, que durante anos levou suas opiniões e análises em pequenas participações diárias na televisão, até sua morte em 2010, fez um bem à coletividade que ele nem imagina ao explicar de forma sociológica, filosófica, histórica e psicológica as implicações e extensões da fofoca.

Um mal universal que só propaga o preconceito e aprisiona as pessoas a um controle social verdadeiramente ditador.

Ou seja: “Todos vigiam a todos para que ninguém faça aquilo que todos desejam fazer”, tornando, ao mesmo tempo, homens e mulheres “prisioneiras e carcereiros de costumes que nos aprisionam, limitam e cerceiam”, palavras de Gaiarsa.

Nas comunidades tidas como “primitivas”, explica ele, aqueles que desrespeitam os tabus sociais costumavam ser excluídos do convívio com os demais membros da tribo.

E, é claro, as maiores vítimas da fofoca são as minorias: gays, lésbicas, transgêneros, aqueles que não se relacionam sexualmente com ninguém por princípio, solteironas, solteirões, pretos casados com brancos, tatuados, extravagantes, tímidos empedernidos e por ai afora.

Ninguém escapa de uma boa fofoca.

Gaiarsa a definia como um poder propulsor/paralisador, que se manifesta desde o vizinho da esquina até grandes esferas de decisão da sociedade, da Bolsa de Valores à casa da Maricota, aquela que vive monitorando o que acontece na rua.

A fofoca também exerce um importante papel na política.

“Basta pensarmos no poder que os boatos e escândalos têm de levantar ou derrubar reputações ou na força que as conversas de corredor possuem de construir ou destruir alianças”, escreve Gaiarsa.

Quem diria que quase 12 anos depois da partida do professor José Ângelo deste mundo seus temores de uma sociedade paralisada pela fofoca ganharia força com as redes sociais com as fake news e até um presidente da República adepto deste mau hábito.

Carla Camuratti, atriz e diretora de cinema, disse certa vez que pessoas são ótimas para olhar os outros com olhar instigante, quando deveriam perder tempo com elas próprias, prioritariamente.

E é verdade, não te contaram não?

Coceira
Gairsa não foi o primeiro a abordar o hábito compulsivo da fofoca que já atingiu a todos pelo menos 10 vezes na vida. O professor britânico Robin Dunbar, do Institute of Cognitive and Evolutionary Anthropology (Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolucionária), da Universidade de Oxford, apresentou anos atrás uma teoria segundo a qual a fofoca teria entre os homens o mesmo papel que o coçar possui nas sociedades primitivas. Razões primárias: é gostoso, distrai e ajuda a desabafar tanto para quem conta quanto para quem ouve. Além do mais, quando duas pessoas falam da vida alheia, estão demonstrando que confiam uma na outra e se reafirmam como parte de um determinado grupo social. Até que a confiança delas seja rompida por outra fofoca.

Desde sempre
O problema é que a fofoca aumenta a leitura; especialmente na internet, onde as notícias são redigidas de forma dúbia para sugerirem um título que atraia as pessoas a darem o clique para o interior da página. São os famosos “caça-cliques” que engrossam o número de visualizações, enganando o público. Agora é tarde para falar em redenção dos maus hábitos do passado.

Escândalo
Só para reforçar que o lupanar está aberto e funcionando. Denúncia do Estadão, ao contrário do que disseram líderes do Congresso ao Supremo Tribunal Federal (STF), reforça que a distribuição do orçamento secreto não prioriza nem de longe os serviços essenciais à população, mas a conveniência política de alguns parlamentares. “Cidades que são base eleitoral de aliados do Palácio do Planalto ou de parlamentares em posições influentes no Congresso recebem centenas de milhões de reais, enquanto municípios próximos ou vizinhos ficam à míngua. Juntas, as quatro cidades campeãs em verbas do orçamento secreto que não são capitais estaduais receberam empenhos de pouco mais de R$ 731 milhões em 2020 e 2021. É mais que os 2.261 municípios da base da pirâmide, somados”.

Mais
Ainda segunda a apuração do Estadão, até o dia 5 de novembro, quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão dos pagamentos das emendas de relator, posteriormente revista por uma liminar concedida pela ministra Rosa Weber, o Executivo federal tinha empenhado R$ 30,7 bilhões na rubrica, nos Orçamentos de 2020 e 2021, dos quais R$ 12,1 bilhões já haviam sido pagos. Outros R$ 3,6 bilhões em restos a pagar, do exercício de 2020, também já foram quitados.

Até quando
Até quando, por Deus, os apoiadores e seguranças do presidente Jair Messias continuarão aplicando safanões em jornalistas que precisam cobrir as viagens do mandatário pelo país para receber seus salários no final do mês. Agora, ver uma mulher jornalista levando um “mata leão” de um brucutu, sem que nada aconteça, já é demais. Como dizia FHC: “Assim não pode, assim não dá!”

Fonte: Coluna de Marcelo Hollanda/Agora RN