Ícaro Carvalho

Repórter
O que rola entre quatro paredes? Uma mão, um toque, uma dança, movimentos lentos, provocativos e repletos de sensibilidade. Ser tocado por outra pessoa e ter o corpo arrepiado em zonas erógenas são situações que o ser humano tem prazer em sentir. Além do gozar (literalmente) dessa sensação, o ato de ver o outro em ação e em momentos de intimidade também provoca reações e aguçamento dos sentidos. Nessa linha, seja por falta de emprego ou por um espaço alternativo para se expor sexualmente, a pandemia de coronavírus fez com que muitos passassem a se expor em troca de dinheiro, bem como tantos outros, por solidão, desejos e curiosidades,   tiveram interesse nesse conteúdo. No Only Fans, Privacy, entre outras plataformas, são vários os relatos de potiguares, homens e mulheres, que têm ganhado a vida vendendo conteúdo erótico na internet. Em alguns casos, o faturamento mensal pode chegar a R$ 40 mil. 

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversou com vários potiguares que estão nesses sites de venda de conteúdo adulto e constatou semelhanças e diferenças entre cada depoimento. Nos discursos, há unanimidade de que o trabalho de venda de fotos e vídeos é difícil, com tabus e preconceitos, bem como há necessidade de cuidados e resoluções acerca da identidade e aceitação pessoal com a exposição da vida íntima na internet. Há ainda o conhecimento das famílias acerca dos trabalhos. Em alguns casos, essas pessoas são as fontes de renda de seus parentes.
Em muitas situações, os potiguares preferem usar nomes alternativos para atrair e chamar a atenção dos seguidores e futuros clientes. “A Japa é uma personagem sensual, todo meu íntimo é ela. São pessoas diferentes”, afirma Japa Nordestina, 20 anos, criadora de conteúdo adulto desde os 18. Fundada em 2016 pelo britânico Tim Stokely, o OnlyFans tem produtores de conteúdo de todos os gêneros, idades, corpos e nacionalidades. Fotos sensuais, sem roupa, beijos, cenas de strip-tease e takes de sexo explícito são os tipos de conteúdo vendidos nas redes. Os criadores ficam com 80% dos valores, e o OnlyFans, 20%. O mesmo acontece com a Privacy, plataforma brasileira. No caso dos potiguares, os lucros variam entre R$ 2 mil e até R$ 40 mil por mês.
“Tem inúmeras formas de trabalhar. Alguns modelos preferem fotos sensuais, ou só foto do pinto, da bunda, algo mais artístico. Há nichos e nichos dentro de uma grande bolha”, explica o produtor de conteúdo digital, Ravy Lion, 26 anos. 
Nessas plataformas, os usuários podem ter assinaturas de determinados modelos, pagando quantias que variam de R$ 50 a R$ 350. Por pagar em dólar, alguns preferem focar na rede Only Fans, tendo seguidores do mundo inteiro. Aliado a isso, há possibilidades de “shows” e conteúdos particulares para determinados usuários, com gorjetas.
Em pleno século XXI, com conteúdos adultos disponíveis em poucos cliques no celular, urge a pergunta: porquê as pessoas pagam por esse conteúdo? Alguns produtores remetem à Playboy, uma das principais revistas adulta do mundo, para lembrar que a busca pelo conteúdo é uma espécie de conexão do usuário com a pessoa do “outro lado”.
“Acredito que as pessoas compram porque tem a blogueira, a youtuber, que se acompanha todos os dias nos stories. Então eu acho que dá curiosidade para saber como é aquela pessoa no íntimo. E no pornô, é uma pessoa aleatória. Acredito que é isso que gera mais desejo, essa curiosidade. E é algo mais amador, estou no meu quarto né?” acrescenta Japa Nordestina. 

Preconceitos e tabusApesar do tema ser cada vez mais abordado na mídia e a própria facilidade de obtenção de informações sobre sexo e vários tabus quebrados ao longo das últimas décadas, a exposição e o conteúdo erótico  na internet ainda são assuntos que geram controvérsias e debates entre sexólogos, psicólogos e terapeutas. 
Para quem lida com essas plataformas de conteúdo erótico, há ainda a dificuldade de se deparar com preconceitos e os boatos de se  estar exposto na internet. Há relatos também de ameaças pelo conteúdo criado.
“No início, aconteceu de ter exposição, vazarem conteúdos. Cheguei a dar um tempo por 3 a 4 meses porque tive depressão forte. Sofri perseguição, não foi só a explanação do conteúdo. Me ameaçaram. Me cuidei e logo depois voltei, porque gosto de trabalhar com isso, no final das contas”, conta a natalense Irelia Nafsuk, 23 anos, que recebeu ameaças após investir em equipamentos e reajustar preços dos seus conteúdos.
Os vazamentos das imagens íntimas sem autorização é um grande problema para os criadores de conteúdo adulto. “Tem vídeo meu em vários outros sites pornôs. Não tem como controlar, é muito chato, porque é meu conteúdo, me esforço pra fazer todos os dias, vem alguém, assina e rouba pra vender”, lamenta Japa Nordestina.
Japa Nordestina, 20 anos “Vendo conteúdo, mas não sou atriz pornô. É tudo real”
A morena Japa Nordestina, pseudônimo para a baiana de 20 anos radicada em Natal desde os 10, sempre gostou de gravar vídeos e se mostrar para o mundo. Tanto que, aos 18 anos, assinou contrato com uma produtora de conteúdos adultos e ingressou de vez no mercado erótico. Há sete meses, resolveu atuar sozinha e investir no  próprio conteúdo, em sites como Privacy e Telegram. Ela está em processo de regularização de documentos para poder entrar no Only Fans.
“Sempre gostei muito de fazer vídeos sozinha, me gravar e me ver. Sou muito exibicionista. Por quê não vender esse conteúdo?”,  explica. “Comecei fazendo fotos sensuais, calcinha e sutiã, e pensei em mostrar meu íntimo real. Fiz vídeos sozinha, comecei a namorar e faço vídeos com meu namorado. Fazemos todo tipo de vídeo, masturbação, fetiche, tem tudo”, explica.Japa Nordestina foi um apelido dado por um dos participantes à época em que a produtora estava associada a um portal. Ela se diz uma mulher bem resolvida com os preconceitos e tabus que a atividade gera. A família sabe da profissão da Japa e a apoia, alem de lidar bem com a exposição da imagem. 
“Recebo muitas mensagens, perguntando se faço programa, quanto cobro. Isso é muito voltado para o machismo, as pessoas têm isso de querer vincular uma coisa com a outra porque somos  independentes. O problema das pessoas e das mulheres que criticam a gente, é porque falta coragem para fazer a mesma coisa. Isso incomoda, sermos tão livres”, revela. “Sempre fui muito aberta em relação a sexo, que é algo natural. Tem as pessoas que criticam, pelo menos faço e ganho dinheiro”, diz. 
Ravy Lion, 26 anos “A vida da gente não é só sexo”
Ravy Lion, 26 anos, se viu com dificuldades financeiras quando foi demitido do seu antigo trabalho há pouco mais de um ano. Com habilidades e o gosto em mostrar seu corpo, além de gravar vídeos com parceiros, pensou: “porquê não ganhar dinheiro com isso?”. Antes, Ravy fazia vídeos sem rosto, algo mais “amador”. Há um ano, o potiguar natural de Brejinho começou a vender conteúdos em redes como Only Fans, Privacy, On Now Play, entre outras.  Com os recursos, mantém sua renda e a de sua família. 

“Fiz uma conta no Twitter e comecei a postar prévias, pedaços, mas sem mostrar o rosto. Era algo mais por esporte. A conta começou a crescer, recebi muita denúncia, porque rola isso. Não tinha como me divulgar e fui para o Only Fans. E pensei: agora vou ter que mostrar a cara. Foi meu plus, é algo a mais”, esclarece.
Ravy comenta que a maioria do público é o LGBTQI+. Sua produção de conteúdo consiste em fotos sensuais e vídeos de sexo explícito. Ravy conta que já chegou a fazer serviços de acompanhante com fãs, tanto em Natal quanto em outras cidades do Nordeste. “Abraço todas as possibilidades que a exposição me dá”.  A principal dificuldade do trabalho com conteúdo digital, segundo Ravy, é encontrar pessoas que estejam dispostas a gravar com ele. Para ele, há um certo conservadorismo no Estado. 
“Como eu trabalho mais com cenas e divisão de holofotes, a questão de encontrar modelos e pessoas para fazer o conteúdo. Até tem. Eu evito o rolé da burocracia, mas aqui (no RN) não tem tantos modelos. Fui lá no Rio e tem comunidades, casas drag, existe uma irmandade de atores que criam conteúdo. Aqui em Natal não, que é um grande interior, então o pessoal é mais cada um no seu cantinho, não querem se misturar. Lá no Rio as pessoas são bem mais abertas”, cita. 
Irelia Nafsuk, 23 anos: “Conquistei minha independência financeira”
Antes mesmo do “boom” de plataformas de conteúdo adulto, a potiguar Irelia Nafsuk, 23 anos, já trabalhava com produção de conteúdo erótico desde os 18 anos. “Surgiu como um hobbye pra mim, porque sempre gostei de fazer fotos sensuais e até mesmo fotos nuas para mandar para as pessoas. As sensuais eu gostava para mim mesmo, pelo empoderamento”, lembra.A popularidade nas redes sociais acabou por criar influência e gerou pedidos para que Irelia começasse a monetizar suas produções. “Como eu só postava foto sensual, tinha muita demanda de curiosidades se eu começasse a vender esse conteúdo”, lembra.
Há cerca de um ano, Irelia está em plataformas como Only Fans, Privacy e S2 Vips. Entre os conteúdos, ela posta vídeos de exibicionismo e material erótico. No início, vendia fotos do corpo e sem mostrar o rosto, mas acabou “adquirindo confiança e vontade” posteriormente. “Depois de cinco meses trabalhando com isso, comecei a morar sozinha. Conquistei minha independência financeira”, cita, falando que a mãe começou a entender sua ocupação após essa mudança. 
“Pra uma pessoa trabalhar com isso,  tem que entender que há esse risco do vazamento de conteúdo. No início nunca estamos preparados, é sempre um baque quando acontece. O começo foi bem difícil, principalmente com questão de família. Nunca fui muito de me importar, mas com meus parentes foi algo mais complicado”, conta Irelia.
Site do RN reúne influencers em conteúdo sexual
O avanço de produção de conteúdo adulto na internet, com o uso de redes sociais como Instagram e do Twitter, fez com que três amigos do Rio Grande do Norte criassem uma plataforma para reunir influenciadoras da web e monetizar as produções. Criada há dois anos, o  California TV é um site adulto potiguar, que reúne mulheres e atrizes, em sua maioria, de São Paulo.
De acordo com o potiguar Caio César Max, roteirista e diretor de marketing, a produção surgiu a partir de observações de influencers no Instagram que tinham muitas visualizações e não tinham retorno financeiro com a produção.
“Nós víamos essas meninas fazendo vídeos no Instagram e dava um número considerável de visualizações. Eram vídeos das meninas seminuas e de graça. E pensamos em fazer um conteúdo bem feito para esses seguidores e começamos a explorar. Temos uma vertente mais artística, algo mais de vlog. Tem quadros, roteiros. Nosso site é mais sensual, tem dicas de sexo. Não tem sexo entre homem e mulher”, explica. 
Uma das ações da California TV é gerar materiais com ensaios, entrevistas, viagens e curiosidades do mundo sexual. Mesmo sendo um conteúdo erótico, não há sexo explícito entre as 15 atrizes com contrato assinado com a plataforma. O diretor aponta ainda motivos para que os usuários acessem a plataforma, mesmo com milhões de sites gratuitos disponíveis na internet. “É uma espécie de conexão que se cria. Se paga muito para ver aquela pessoa específica”, aponta.