O tradicional café da manhã dos brasileiros está ficando cada vez mais caro. O quilo do pão francês, um dos produtos com presença garantida na mesa de boa parte dos potiguares, já pode ser encontrado por quase R$ 20 nas padarias de Natal. No entanto, de um bairro para o outro o preço pode variar de R$ 11,99 a R$ 19,79. Somente neste ano, o preço do item teve aumento de 8% a 15,8%, segundo estimativa do Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria do Estado do Rio Grande do Norte (Sindipan/RN). Entidades do segmento afirmam que a tendência é de novos reajustes nas próximas semanas, motivados pela disparada da inflação e pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.

O aumento de preços passa pela alta do principal ingrediente do pão francês: a farinha de trigo. O Brasil não produz todo o trigo que consome e por isso precisa recorrer ao mercado internacional para importar cerca de dois terços da demanda, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Panificação e Confeitaria (Abip). Embora o País compre a maior parte do trigo da Argentina – cerca de 85% das importações – a guerra entre Ucrânia e Rússia, que está prestes a completar um mês, tem impacto direto no preço global do trigo porque os dois países em conflito são responsáveis por aproximadamente 30% das exportações de trigo no mundo.
Ivanaldo Maia, presidente do Sindipan, afirma que os moinhos já estão suspendendo novos pedidos para regular preços e evitar desabastecimentos. “Isso já vinha acontecendo devido a crise econômica do País, devido a pandemia. Com a guerra da Rússia e da Ucrânia, a situação se agravou e vem atingindo o nosso mercado. Os moinhos suspenderam os pedidos para fazer uma análise de como vai ficar a situação para poder liberar os lotes, lógico, com aumento de preço. Isso vem desde o começo do ano e agora com a guerra se agravou”, conta Maia.
O preço do quilo do pão pode variar bastante de um estabelecimento para o outro e leva em consideração aspectos como localização, estrutura da padaria, número de funcionários, serviços e capacidade de produção, segundo Maia. No bairro de Petrópolis, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE encontrou o pão francês custando R$ 19,79/quilo, já no bairro das Rocas, o quilo do item estava custando R$ 11,99, na manhã da segunda-feira (21).
Apesar da variação de 65% no valor do pão entre as duas padarias, ambas tiveram reajustes depois do início do conflito no leste europeu. Em janeiro deste ano, o mesmo item podia ser comprado por R$ 17 em Petrópolis e por R$ 11 nas Rocas. Os donos de padaria afirmam que estão diminuindo lucros para evitar repasses bruscos ao cliente. “O trigo aumenta bastante e o aumento que a gente repassa não chega nem perto, então sai do nosso bolso porque a gente entende o impacto para o consumidor. Não queremos afastá-los”, conta Bruno Sales, um dos administradores de uma padaria localizada na zona Leste de Natal.
Ainda de acordo com Bruno Sales, mesmo com os recentes aumentos, o natalense não deixou de consumir o tradicional pãozinho, mas a perspectiva é de que as idas ao estabelecimento possam ficar menos frequentes ou que as compras sigam ocorrendo, mas em menores quantidades. Patrícia Barbosa, moradora de Parnamirim, já sente os efeitos da alta do pão. “A gente fica assim preocupado porque não é só o pão, tudo está ficando mais caro. Agora até o café da manhã também tá ficando mais caro. É um absurdo”, protesta.
Diferentemente de outros produtos, que motivam a pesquisa para encontrar o melhor custo-benefício, o pão não se encaixa nessa lógica, explica o professor de administração e mercado financeiro, Henrique Souza. “Geralmente, o consumidor compra na padaria do bairro, todos os dias, então ele não vai sair daquela região para comprar em outro lugar distante porque há essa tradição de ir à mesma padaria. Um dos efeitos disso é justamente essa mudança no comportamento porque esses dois pontos vão convergir: a diminuição do consumo e consequentemente a busca por alternativas mais baratas, como a tapioca, por exemplo”, detalha o especialista.
Trigo tem alta recorde após inicío da guerraO preço das commodities (mercadorias de consumo mundial) dispararam diante do conflito entre Rússia e Ucrânia. Com o trigo não foi diferente, o produto atingiu o maior valor em 14 anos e jogou para cima o preço do pãozinho. O valor do trigo na Bolsa de Chicago teve alta de 7,54% no início de março e chegou a US$ 9,98 por bushel, medida utilizada pelo mercado global equivalente a 22,2 quilos.
Entre 14 e 18 de março, a saca de 60 quilos estava sendo vendida a R$ 101 em média no Paraná, maior produtor brasileiro. A variação de preço é de 13,7% no mês e 26,4% no ano, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No PR, os donos de moinho que pagavam R$ 950 por tonelada de trigo no início de 2020 agora precisam desembolsar R$ 1,7 mil por tonelada.
Após a moagem, o trigo é transformado em farinha e chega para os produtores com os custos de fabricação e frete embutidos. Segundo Abip, o trigo é responsável pelo custo de 28% a 30% do preço do pão. “Semana passada eu comprei de um preço, nessa semana vai ser outro e provavelmente vai continuar assim. A de 25 quilos está R$ 105 mais ou menos, então a de 50 quilos fica R$ 210. Isso tudo influencia nos reajustes. O trigo veio agora, mas também houve aumento na margarina e outros insumos da panificação. A gente tenta segura o máximo que pode, mas se continuar assim não tem como segurar [reajustes]”, complementa Bruno Sales.
Um relatório da Conab reduziu a estimativa da produção da safra brasileira de trigo de 2021/22. A previsão da colheita era de 8,19 milhões de toneladas e foi reduzida em 500 mil toneladas. Apesar da queda, a safra deve ser recorde, alcançando 7,68 milhões de toneladas. O número é maior que os 6,24 milhões de toneladas da safra anterior, mas os preços não devem baixar no mercado nacional por causa do cenário de crise global. Representantes da indústria afirmam que o aumento dos preços vai ser eventualmente repassado aos consumidores. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) diz que o trigo teve um aumento de 25% no preço este ano, mas os repasses estão próximos de 12%.
Outros fatoresAlém da quebra de safra o preço do trigo vem sofrendo com as flutuações do mercado externo influenciado por grandes atores. Os Estados Unidos, grande produtor e exportador do grão, teve uma série de problemas climáticos que afetou a safra deste ano, diminuindo a oferta do produto mundialmente. Além disso, a China aumentou os estoques do grão para que não falte comida para a população em caso de novas ondas de coronavírus.
Outro fator que jogou o preço do trigo para cima foi o preço do milho. Com a alta do principal alimento de rebanhos, a indústria agropecuária investiu na compra do trigo como substituto nas rações. Com toda a demanda pelo grão, o produtor de trigo prefere a venda ao mercado externo se aproveitando da alta do dólar para bater lucros recordes. Dessa forma, o mercado interno sofre pressão de alta dos preços.

Fonte: Tribuna do Norte

Foto: MAGNUS NASCIMENTO