Em discurso com  gritos e palavrões, o presidente Jair Bolsonaro comparou ontem o momento atual com o de 1964, ano do golpe militar, para dizer que a liberdade está ameaçada no País. “Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora. Lá atrás pelas armas, hoje pelas canetas”, afirmou o presidente em um evento com empresários em São Paulo. Em seu discurso, citou, ainda, a possibilidade de haver eleições “conturbadas” neste ano no Brasil.

A proteção às liberdades foi a justificativa usada por militares para derrubar o então presidente João Goulart e instalar o regime de exceção, que durou 21 anos no País e retirou direitos individuais e políticos, além de recrudescer a violência contra opositores.
No discurso, Bolsonaro voltou a minimizar a defesa do golpe militar em manifestações pró-governo – o que é inconstitucional. “Entendo tudo isso como liberdade de expressão”, disse o presidente, chamando em seguida de “psicopata” e “imbecil” quem classifica os atos em que manifestantes pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) como antidemocráticos. O vice-presidente Hamilton Mourão também minimizou ontem manifestações que pregam a volta do AI-5.
ELEIÇÕESNo evento da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Bolsonaro falou mais uma vez sobre a possibilidade de haver eleições conturbadas neste ano. O presidente tem feito críticas reiteradas às urnas eletrônicas e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), bem como aos ministros que vão conduzir as eleições de 2022.
“Poderemos ter outra crise. Poderemos ter eleições conturbadas. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou para o outro, a suspeição de que elas não foram limpas? Não queremos isso”, disse.
O presidente insistiu que as eleições não podem ter qualquer suspeição. “Já vi falando que eu vou perder a eleição, vou perder minha família toda. Tá achando que vai me intimidar dando recado? Ou nós decidimos no voto, para valer, contabilizado, auditado, ou a gente se entrega. E, se entregar, vocês vão dar 50 anos ou mais para voltar a situação que está hoje em dia”, afirmou. “Só Deus me tira de lá. Não adianta inventar canetada “
Ao se descrever como um “prisioneiro sem tornozeleira eletrônica” no comando do País, o presidente disse que nunca será preso. “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso. Não estou dando recado para ninguém.”
Pré-candidato à reeleição pelo PL, Bolsonaro disse que as eleições deste ano serão um “ponto de inflexão para o Brasil e para o mundo”. “Alguns querem a volta à cena do crime”, afirmou, em referência a uma frase do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) em 2018 – hoje pré-candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
INFLAÇÃOBolsonaro reconheceu o impacto da inflação na disputa pelo Palácio do Planalto. Sem citar Lula nominalmente, sugeriu que o eleitor faz comparações entre passado e presente na hora de escolher o candidato. “Uma parte da população não sabe ver diferença. Olha na ponta da linha como está o preço na gôndola do supermercado e vota de acordo com o que está vendo, achando que vai voltar o diesel a R$ 3, a lata de óleo a R$ 5”, disse o presidente.
O presidente, no entanto, voltou a atribuir a inflação à crise causada pela pandemia da covid-19 e às medidas de contenção do novo coronavírus. E disse estar “buscando uma solução” para o preço dos combustíveis. “O mundo árabe nos adora, a recíproca é verdadeira”, afirmou.
MARCO TEMPORAL
Mantendo o clima de tensão institucional, o presidente pediu que o Supremo não rejeite a tese do marco temporal e ameaçou descumprir uma eventual decisão da Corte nesse sentido. “O que sobra para mim se o Supremo aprovar isso? Eu tenho que pegar a chave na Presidência e entregar no Supremo, ou falar ‘não vou cumprir’. Decisão ilegal não se cumpre.”
O julgamento da revisão do marco temporal está paralisado no STF Se aprovada, a tese tem o potencial de ampliar o número de terras indígenas demarcadas no País. Hoje, o entendimento legal é de que povos indígenas só podem requerer demarcação de terras se comprovarem ocupação do território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
O presidente ainda voltou a celebrar a queda de multas do Ibama e a defender o armamento da população. “Eu não durmo sem uma arma do meu lado”, disse ele.
Presidente afirma que haverá novas mudanças na PetrobrasO presidente Jair Bolsonaro acenou ontem para a possibilidade de mais mudanças na Petrobras. “Tem mais coisa para acontecer na questão da Petrobras. Já sabem o que está acontecendo. Não vou entrar em detalhes, está sempre fazendo alguma coisa para buscar alternativa”, declarou o chefe do Executivo a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.
Como mostrou reportagem do Estadão, o presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, passa por um processo de fritura no governo apenas um mês após assumir o cargo. Ele é ligado ao ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, demitido por Bolsonaro na semana passada após um novo reajuste dos combustíveis – os constantes aumentos têm sido motivo de desgaste de Bolsonaro, que tenta a reeleição em outubro.
As declarações do presidente foram feitas pela manhã, em Brasília, antes da viagem do presidente a São Paulo, mas só divulgadas à tarde por um canal bolsonarista no YouTube – o material que foi ao ar foi editado.
Bolsonaro voltou a criticar a empresa por seus lucros e sua política de preços. “Com toda certeza vamos entrar na Petrobras nessas questões também. Não é possível petrolífera dar 30% de lucro enquanto as outras dão no máximo 15%, para atender a interesses não sei de quem”, disse aos simpatizantes em frente ao Palácio do Alvorada, onde para diariamente para falar com apoiadores.
‘FIM SOCIAL’Na avaliação do chefe do Executivo, “todo mundo tem de colaborar” e a Petrobras precisa exercer sua função social. “Todo mundo tem de colaborar, não é ganhar mais dinheiro na crise. É o que infelizmente alguns setores fazem, como a própria Petrobras. ‘Ah tem o estatuto’. Estatuto está acima da lei, não está acima da Constituição. Então, tem o fim social da empresa. O que está em jogo é o futuro do Brasil”, disse.
O presidente também disse esperar redução no ICMS incidente sobre combustíveis nos Estados após o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), atender ao pedido do governo e suspender a forma de cobrança do imposto pelos governadores. Na semana passada, a Petrobras aumentou o valor do diesel na refinaria em 8,87%. No acumulado em 12 meses, o combustível já subiu 52,53%, ante 12,05% da inflação oficial.
‘Já passou’, diz Mourão sobre defesa do AI-5O vice-presidente Hamilton Mourão minimizou ontem a presença de bandeiras a favor do Ato Institucional n.º 5 (AI-5) em manifestações bolsonaristas. “Isso aí já passou”, disse o general da reserva a jornalistas no Palácio do Planalto. Assinado em 1968, o AI-5 significou o endurecimento da ditadura militar instalada no Brasil ao estabelecer, por exemplo, o fim do habeas corpus e o fechamento do Congresso. Apologias da ditadura são consideradas inconstitucionais.
Loucura“Cada fase da história do Brasil tem suas características e seus aspectos. Isso aí já passou, né? Quem nasceu em 1968 tem quantos anos hoje? Cinquenta e quatro? Tem gente que sai de foice e martelo, ainda. Cada um com sua loucura”, disse o vice-presidente.
No domingo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que é preciso “ter pena” de quem exibe faixas em defesa do AI-5. “Um maluco levanta uma faixa lá: AI-5, existe AI-5? Tem que ter pena do cara”, afirmou Jair Bolsonaro. 
Em atos bolsonaristas, como nas manifestações de 7 de Setembro de 2021 e no primeiro de Maio deste ano, havia alguns manifestantes com faixas pedindo intervenção militar e o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
STJ julga acesso a dados de cartão do presidenteA Corte Especial do Superior Tribunal Justiça julgará hoje um recurso apresentado pelo Estadão contra decisão do presidente do colegiado, Humberto Martins, que suspendeu o acesso do jornal a gastos no cartão corporativo do presidente Jair Bolsonaro.
O Grupo Estado garantiu acesso às informações após um ano e meio de batalha judicial no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Quatro dias após a vitória na segunda instância, em março, o presidente do STJ suspendeu a ordem dos desembargadores do TRF-3 para que os dados fossem repassados ao Estadão.
O valor dos gastos com cartão corporativo é divulgado no Portal da Transparência, mas o governo se nega a informar produtos e serviços adquiridos. Nos quatro primeiros meses de 2020, a fatura presidencial atingiu R$ 3,76 milhões.
Ao impedir o acesso aos dados, o presidente do STJ atendeu a pedido do governo, que argumentou que informações fundamentais para a segurança da Presidência poderiam ser expostas antes do julgamento definitivo da ação. No recurso, os advogados do Estadão dizem que o Supremo Tribunal Federal derrubou, em 2019, artigo de decreto editado na ditadura que garantia pouca transparência aos dados.

Fonte: Tribuna do Norte

Foto: Isac Nóbrega/RP