A diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se reuniu, nesta quarta-feira (6), para discutir a regulação dos cigarros eletrônicos no Brasil.

Os diretores da agência analisaram o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que trouxe dados reunidos pela equipe técnica da Anvisa sobre o uso desse tipo de cigarros, incluindo os impactos à saúde, a toxicidade e o posicionamento de organizações internacionais sobre o tema.

Ao fim da votação, a diretoria da Anvisa decidiu manter a proibição dos cigarros eletrônicos, por votação unânime.

Agora, segundo a Anvisa, será feita uma reforma da legislação atual e aberta uma consulta pública para depois seguir para nova aprovação.

Além da proibição, a agência também votou pela adoção de medidas não normativas para a redução da oferta e da demanda (ações de fiscalização em parceria com outros órgãos e campanhas educativas).

Essa decisão havia sido recomendada pela própria equipe técnica da agência – a Gerência-Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos, derivados ou não do Tabaco (GGTAB) – no relatório analisado.

Os dispositivos eletrônicos para fumar, incluindo os cigarros eletrônicos, são proibidos desde 2009 no Brasil, conforme uma resolução da Anvisa (RDC 46/2009) sobre o tema. A proibição inclui a comercialização, a importação e a propaganda desse tipo de cigarro.

Argumentos

Representantes de diversas entidades médicas e científicas nacionais e internacionais (veja lista ao final da reportagem) foram convidados a elaborar argumentos sobre os cigarros eletrônicos.

Os especialistas foram unânimes em destacar os prejuízos à saúde causados pelo vaping – como é chamado o hábito de fumar esse tipo de cigarro. Veja alguns dos argumentos apresentados:

Drauzio Varella:

“Levamos décadas para reduzir o cigarro para o que ele realmente é: um vício chinfrim que provoca mau hálito, deixa cheiro ruim no corpo, nas roupas e causa um número incrível de doenças. As piores doenças que conheci na medicina foram causadas pelo cigarro”, disse o médico.

“No Brasil, nós conseguimos reduzir o número de fumantes de uma forma espetacular, elogiada por todas as organizações de saúde, inclusive a OMS. Estamos vivendo essa epidemia do cigarro eletrônico, apresentado para crianças e adolescentes como o cigarro foi apresentado na minha época: uma coisa que solta uma fumacinha, não faz mal nenhum”, pontuou.

“O cigarro eletrônico foi feito com a desculpa de que serviria para reduzir os danos, para ajudar as pessoas a pararem de fumar. No ambiente científico não há demonstração de que ele seja capaz de sequer disso”, afirmou.

“Estamos criando uma legião de crianças e adolescentes dependentes de nicotina. Na minha experiência pessoal, a nicotina é a droga mais difícil de largar, porque é a única que causa crises de abstinência em minuto”, finalizou o médico.

Fiocruz:

“Esses dispositivos são consumidos, em países onde são liberados, prioritariamente por adolescentes e por adultos jovens. Isso significa um boom de dependência à nicotina em toda uma geração de brasileiros atuais e significa também um comércio a mais de uma droga, que é a nicotina”, afirmou Vera Luiza da Costa e Silva, da Fiocruz.

Inca:

“Os dispositivos eletrônicos não são eficazes e nem seguros para o consumo humano. Os estudos têm demonstrado que esses dispositivos eletrônicos são eficazes na atração de crianças, adolescentes e jovens para o consumo da nicotina, tornando-se dependente dessa substância”, afirmou Liz Maria de Almeida, do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

Opas:

“O Brasil pode se orgulhar pelo seu histórico de conquistas em controle do tabaco nas Américas. Evidências atuais não sugerem que esses produtos sejam menos prejudiciais do que os cigarros convencionais. Os cigarros eletrônicos não contêm tabaco, mas são prejudiciais à saúde”, disse Anselm Hennis, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

“Na região das Américas, além do Brasil, que continua a demonstrar uma liderança destacada em saúde pública nesta área, outros Estados-membros, como Argentina, México, Panamá, Suriname, Uruguai e Venezuela, proíbem a a venda do cigarro eletrônico. México e Panamá também proíbem a venda de produtos de tabaco aquecidos”, completou Hennis.

Apenas a fabricante de tabaco e cigarros Philip Morris Brasil, que também participou da exposição, foi contra os argumentos apresentados pelos médicos e cientistas.

“O relatório parcial teve violações da lei da Liberdade Econômica, das agências reguladores, do decreto federal que regulamenta o processo e ao próprio regulamento dessa Agência”, disse Fernando Neustein, representante da Philip Morris Brasil.

Veja lista de entidades participantes:

  • Associação Brasileira de Estudos em Álcool e Outras Drogas (ABEAD)
  • Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
  • Associação Médica Brasileira (AMB)
  • Associação Mundial Antitabagismo e Antialcoolismo
  • Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos
  • Campanha para Crianças Livres do Tabaco – Campaign for Tobacco-Free Kids (CTFK)
  • Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz
  • Comitê do MP do Estado do Paraná de Enfrentamento às Drogas e do Projeto Estratégico Semear
  • Coordenadora estadual do programa antitabagismo de São Paulo
  • Deputado Federal Alexandre Padilha
  • Deputado Federal Zacharias Calil
  • Deputado Mauro Nazif
  • Dr Drauzio Varella
  • Incor HCFMUSP
  • Instituto Nacional de Câncer
  • Jaqueline Scholz, diretora do programa de tratamento contra tabagismo do Incor
  • Ministério Público do Estado de São Paulo
  • Organização Pan Americana da Saúde (Opas)
  • Tania Cavalcante, médica
  • Vital Strategies Brasil
  • União Internacional contra a Tuberculose e Doenças Respiratórias
  • Philip Morris Brasil (fabricante de tabaco)

Fonte: g1

Foto: Brendan McDermid/Reuters