A graça está na língua
Humanidade não é para qualquer um.

É um árduo esforço que começa na infância e vai se concretizando ao longo da vida, despindo a pessoa que um dia morrerá de inveja, intolerância, vaidade e ganância.

Isso, no mundo ideal, bem entendido.

Aqui, neste pedacinho continental chamado Brasil, que já foi dividido em capitanias, depois virou refúgio de uma apavorada família Real e por fim em uma República, a evolução civilizacional permanece adormecida.

E, frequentemente, regride, como agora.

Não é capitalismo, não é socialismo, é só pura e simples ignorância letrada traduzida em preconceito e horror ao desenvolvimento humano no seu mais refinado espírito filosófico.

Ao invés disso, trouxemos a religião para o terreno político e de poder, aprimorando a negação de todo o árduo esforço já feito na humanidade para aproximar todas as crenças de um sentido mais ecumênico.

Razão pela qual não é possível admitir que uma primeira (ela, a Michele) se dê ao luxo de evocar línguas imaginárias para comemorar a aceitação de um dos seus a um cargo vitalício (e poderoso) ao Supremo Tribunal Federal.

Da mesma forma que orações não extraem uma bala ou estancarão uma hemorragia na mesa de operação, pois só a ciência e o conhecimento orientam os médicos neste momento, não se coloca a religião a favor de projetos de poder.

Não se finge falar uma língua que simplesmente não existe só porque uma evocação emocional, de conotação teatral, nos excita ao ponto de darmos pulinhos de alegria por uma graça alcançada.

Uma graça que nada tem a ver com milhões de pessoas no Brasil que chafurdam no lixo todos os dias atrás de comida, mas do êxito de um pastor que virou ministro da Suprema Corte, vencendo uma disputa política que de nova só tem os cabelos do pretendente.

Não se trata de preconceito religioso, mas de um mínimo de vergonha na cara.

O senhor André Mendonça pode até vir a ser um ótimo ministro do STF, uma vez libertado pela vitaliciedade do cargo dos compromissos terrenos da política.

Mas a história que contará o que ele fez para alcançar essa graça ficará gravada nos anais da internet até que sua alma levite para o andar superior, mas seus feitos em terra sejam objeto de comentários de um professor de história.

Nesse dia, outras línguas de verdade contarão o feito, mas de uma maneira que os gregos, os troianos e os baianos possam entender.

Assim não pode
Não se sabe exatamente porque cargas d’água a ministra Rosa Weber, do STF, liberou a retomada da execução orçamentária das emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”, no Orçamento de 2021. Ela usou como pretexto na decisão a observância das regras do ato conjunto aprovado pelo Congresso Nacional na última semana para dar transparência às emendas. Mas é uma justificativa inexistente tamanho o esforço que o Congresso vem fazendo para manter o sigilo, o que vem sendo liberado de maneira escandalosa desde 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo.

Argumento mequetrefe
No pedido de desbloqueio feito, os presidentes da Câmara e do Senado argumentam que a suspensão das emendas representa “potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação”. Mas, o que tem isso a ver com a transparência das emendas, continua um mistério.

Emenda Pix
Enquanto isso, os repasses políticos feitos diretamente pelo Executivo aos municípios, também conhecidos como cheque em branco e modernamente como “emendas pix”, se reproduzem como coelhos no cio para 2022. É o maior escândalo da República, que torna o mensalão do PT uma brincadeira entre normalistas.

Caminho do dinheiro
A grana entra na conta do estado ou do município indicado por um parlamentar da base do governo e, pronto, está feito o milagre da multiplicação de votos pelo expediente do apoio político. E como faz parte do orçamento impositivo, que o governo é obrigado a pagar, vira uma valiosa moeda de troca de parlamentares. Os mesmos que trabalham para o presidente continuar no poder. Aliás, segundo a colunista Malu Gaspar, de O Globo, com base em levantamento feito pela consultoria especializada Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop), “fazer um pix” para suas bases aumentou 171%.

Neutra ou desconhecida
Se a linguagem neutra tanto debatida pelos educadores caiu na alça de mira dos conservadores, seria a hora também de debater um pouco as tais línguas pentecostais. Saber, como insinuou esta semana o jornalista Reinaldo Azevedo, se elas só se manifestam toda vez que uma câmera está ligada ou tem público no recinto para impressionar.

As emas que o digam
Confirmando até o que as emas do Alvorada já sabem, Bolsonaro está apavorado com o desembarque do ex-juiz Sérgio Moro na campanha presidencial pela fuga de votos da extrema direita que isso pode significar. Daí o ataque do presidente ao seu ex-ministro. Foram seis intermináveis minutos criticando Moro na transmissão que fez em suas redes sociais na semana passada, e de novo nesta segunda-feira aos desocupados do cercadinho Palácio da Alvorada. Com as emas bem longe, é claro.

Fonte: Agora RN/Coluna de Marcelo Hollanda