Com a saída de Tite oficializada no último dia 17, a CBF começa a procurar de forma mais energética o próximo treinador da seleção brasileira.

O favorito para o cargo é Carlo Ancelotti, que declarou que prefere continuar no Real Madrid e cumprir seu contrato até 2024. Por isso, o alvo passa a ser treinador que estão sem clubes no momento, como Luis Enrique e Zidane, com o primeiro com leve favoritismo.

Carreira de sucesso

Ex-jogador de grande destaque no Real Madrid e Barcelona, Luis Enrique tem uma ótima carreira como treinador. Ele foi o substituto de Pep Guardiola no Barcelona B, entre 2008 e 2011. Treinou a Roma e o Celta de Vigo e assumiu o Barça em 2014, após o fracasso de Tata Martino.

Ele montou a equipe que fez o Messi, Neymar e Luis Suárez – o trio MSN – vencer a Liga dos Campeões da UEFA em 2014–15, o Mundial de Clubes, a Supercopa e dois Campeonatos Espanhóis. Completou um ciclo de nove títulos no clube, o que o credenciou a assumir a Espanha após o fracasso na Copa do Mundo de 2018.

A trajetória foi interrompida por uma tragédia pessoa, a morte de sua filha, Xana, em decorrência de um câncer. Luis voltou ao cargo em 2019 e comandou a Roja numa grande campanha na Eurocopa, chegando até a semifinal. Na Copa do Mundo, a equipe jogou bem mesmo só na primeira rodada, contra a Costa Rica, e caiu para o Marrocos nas quartas.

Não basta ser bom: é uma questão de perfil

A pergunta mais básica quando um treinador chega a um clube é: “ele é bom?” “temos chances?”

A ansiedade é um sentimento normal. O futebol amplifica ele. Todo mundo quer ter uma certeza, se agarrar em algo, e nutrir uma expectativa, cada vez mais alta, por uma Copa do Mundo. A resposta para as duas perguntas é sim: Luis Enrique é um excelente treinador, capaz de vencer títulos em qualquer clube e seleção no mundo. Até aí, seu curriculum é tão bom quanto o de Tite.

É preciso aprofundar mais o debate. Lionel Scaloni sequer tinha experiência como treinador principal antes de vencer a Copa do Mundo. Logo, não é uma questão de ser bom ou não, mas sim de perfil. Perfil é o treinador ter características e qualidades que combinam com o grupo de jogadores e com a competição que ele está inserido.

Apesar de ter feito um ótimo trabalho pré-Copa, Luis Enrique mostrou uma falta de flexibilidade na Copa do Mundo que custou o Mundial – e seu cargo.

Luis Enrique é um treinador que confia muito em seu estilo de jogo. Tanto que ele deixou de lado jogadores que poderiam tornar a equipe mais agressiva, como Aspas, Canales e Íñigo Martínez, em detrimento de jogadores que combinam com o estilo espanhol de muita posse de bola, postura avançada e controle das ações. O símbolo disso foi a convocação do zagueiro Eric Garcia.

Outro ponto criticado foi a juventude do time. Enrique não chamou o zagueiro Sérgio Ramos, do Paris Saint-Germain, e o meio-campo Thiago, do Liverpool. O goleiro Kepa Arrizabalaga, do Chelsea, também poderia ter ido. Apesar de viver má fase, o goleiro De Gea, do United, era mais experiente e pegador de pênaltis que os goleiros escolhidos pelo treinador.

Assim como Tite, Luis Enrique é um treinador que pensa a equipe a partir de uma forma de jogar. Primeiro, decide como quer a equipe em campo. Depois, escolhe os jogadores que melhor casam com essa forma. É um perfil diferente de Carlo Ancelotti ou Zidane, que pensam primeiro nos jogadores que possuem e depois acham uma forma de encaixá-los no time. Não existe um jeito certo ou errado. Dá para vencer de todas as formas.

Só que a Copa do Mundo é um torneio de tiro curto. E a edição de 2022 mostrou que flexibilidade e mudanças pontuais podem ser um adicional nas fases mais competitivas. Scaloni mudou a escalação da Argentina na segunda fase. Contra a Holanda, apostou em três zagueiros, e depois num meio de campo com quatro meias contra a Croácia. Didier Deschamps mudou a França após a lesão de Benzema, reotrnou ao esquema com quatro defensores e chegou na final.

Novamente, não existe uma regra. Tudo pode dar certo. Mas há torneios que casam mais com um perfil. Tite e Luís Enrique eram os favoritos no ciclo pré-Copa pelo bom futebol mostrado em torneios de pontos corridos. A Copa é mata-mata.

Outro fator que faz Luis Enrique não ter exatamente o melhor perfil para a seleção brasileira é o próprio jeito de jogar.

Ele é um “treinador ofensivo”, assim como muitos outros no mundo. Mas existem diversos jeitos de ser ofensivo. Dá para ser ofensivo ao estilo Barcelona, com muita posse de bola e toques de lado. Dá para ser ofensivo ao estilo Abel Ferreira, com marcação forte atrás e muitas jogadas diretas. Dá para ser ofensivo ao estilo Ancelotti, com ataques rápidos e diretos.

Luis Enrique tem um estilo distante do gosto do torcedor brasileiro. Aqui, se valoriza o drible, a iniciativa individual e jogadas rápidas, com espaço e velocidade. Não é contra-ataque. É ataque rápido, como o Flamengo de Jorge Jesus em 2019 ou o Corinthians de Tite em 2015. Manter a bola, mas para frente, sem enrolação. Luís Enrique gosta de um time que “enrola” mais e fica mais tempo no meio de campo do que no gol.

No fim, “ser ofensivo” é um grande pastel de vento: parece bom, mas não há nada para dentro.

Por isso é preciso aprofundar a questão sobre o próximo treinador da seleção brasileira. Não basta apenas Luis Enrique ser um ótimo treinador, com grandes trabalhos na carreira. Tite também é. A questão deve ser sobre o perfil escolhido.

Não existem receitas no futebol. Essa análise não é uma previsão. Se escolhido, Luis Enrique pode, sim, fazer um grande trabalho e ser campeão pela seleção brasileira. Mas, num primeiro olhar, ele não tem o perfil que hoje parece ser o mais adequado: o de um treinador mais flexível num torneio de tiro curto como a Copa do Mundo. É aguardar a cena dos próximos capítulos.

Fonte: GE

Foto: EFE/EPA/Friedemann Vogel