O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou na manhã desta terça-feira 24 da 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em Buenos Aires. José Antonio Spinelli, professor titular de Teorias Sociológicas da UFRN, disse que a ida do presidente à Argentina reforça “uma posição de liderança regional na América Latina”. A visita desta semana é classificada pelo Itamaraty como uma retomada da relação do Brasil com os países vizinhos depois de um afastamento no governo de Jair Bolsonaro (PL).

A Celac é um bloco regional composto pelo Brasil, que voltou a integrá-lo em 2023 após ter-se retirado há dois anos, e mais 32 países. Desde sua criação, a Celac tem promovido reuniões sobre os diversos temas de interesse das nações latino-americanas e caribenhas, como educação, desenvolvimento social, cultura, transportes, infraestrutura e energia, além de ter se pronunciado em nome de todo o grupo por ocasião de assuntos discutidos globalmente, como o desarmamento nuclear, a mudança do clima e a questão das drogas, entre outros.

“A ida do presidente Lula à Argentina e sua participação na Celac consagra o retorno do Brasil aos acordos de cooperação com as nações latino-americanas e caribenhas. Trata-se de uma inflexão importante face à orientação adotada pelos governos Temer e Bolsonaro nos anos mais recentes. Em seus discursos, Lula tem enfatizado o respeito à diversidade, ao multilateralismo e à autodeterminação dos povos. Em termos práticos, isso significa de imediato uma reaproximação com a Venezuela e com Cuba e uma discordância com o governo dos Estados Unidos”, pontuou o professor.

De acordo com Spinelli, os Estados Unidos têm adotado uma política de isolamento desses dois países, especialmente Cuba, submetido a um embargo que dura 60 anos. “Lula tem ressaltado que a reaproximação não significa um apoio a regimes autoritários, ele defende o diálogo ao invés de um enfrentamento, defendendo que o regime político de cada povo é uma questão interna. Da mesma forma, critica a invasão da Rússia à Ucrânia sem se alinhar às posições norte-americanas e europeias”, disse.

“A palavra de ordem em política externa da maioria dos governos lationamericanos é o multilateralismo, com independência e sem alinhamentos automáticos. Assim, estão abertas as portas para a intensificação das relações comerciais com a China, Índia, Rússia, África do Sul e outros países. Porém, nesses casos, a intenção é apoiar a integração latinoamericana, tanto no campo do comércio quanto no das relações políticas e culturais”, continuou ele.

Nesse sentido, veio o apelo por uma moeda comum para reger as relações comerciais e o aceno para a participação do BNDS no financiamento de projetos de desenvolvimento. “Em termos mais amplos, sem descurar de acordos do Mercosul com a União Europeia e com os EUA, há uma clara intenção de reforçar as alianças sul-sul, incluindo por exemplo a África e as nações asiáticas”, indicou.

Para Spinelli, outro aspecto importante na política externa adotada por Lula é o investimento na paz como recurso de negociação para resolver conflitos. “Dessa forma, Lula assume com força, e seu discurso na reunião da Celac reforça isso, uma posição de liderança regional na América Latina”.

Retomada das relações

Lula anunciou, juntamente com o presidente argentino Alberto Fernández, o estudo para a criação de uma moeda comum para trocas comerciais, disse que quer fazer bons acordos para que Brasil e Argentina possam crescer economicamente e anunciou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltará a financiar projetos em países vizinhos. Lula também teve encontros com empresários brasileiros e argentinos e discutiu com Fernández a relação bilateral entre os dois países.

Países da região devem liderar preservação da Amazônia, diz Lula

Lula disse que, embora a cooperação internacional seja bem-vinda, é papel dos países da região liderar os projetos de preservação da Amazônia. A fala do presidente foi durante a Celac. “A cooperação que vem de fora da nossa região é muito bem-vinda, mas são os países que fazem parte desses biomas que devem liderar, de mane ira soberana, as iniciativas para cuidar da Amazônia. Por isso, é crítico que valorizemos a nossa Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – a OTCA”, disse.

A reunião da Celac foi privada e as falas não foram transmitidas ao vivo, mas o discurso de Lula foi divulgado pela Presidência. Lula citou ainda que, em breve, deve convocar uma cúpula dos países amazônicos e que o Brasil já formalizou a candidatura de Belém para sediar a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em 2025. “O apoio que estamos recebendo dos países da Celac é indispensável para que possamos mostrar ao resto do mundo a riqueza de nossa biodiversidade, o potencial do desenvolvimento sustentável e da economia verde, além, é claro, da importância de preservação do meio ambiente e do combate à mudança do clima”.

Para Lula, há uma “clara contribuição” a ser dada pela região para a construção de uma ordem mundial pacífica, baseada no diálogo, no reforço do multilateralismo e na construção coletiva da multipolaridade.

Segundo o presidente, os desafios globais e as “múltiplas crises” exigem respostas coletivas, citando, entre outros, as pandemias, as ameaças à democracia e as pressões sobre a segurança alimentar e energética.

Segundo o presidente, as experiências compartilhadas da região e de seu passado colonial devem servir para uma aproximação, e as diversas crises demonstram o valor da integração. Para o presidente, o diálogo com sócios extras regionais, ainda assim, é essencial. “Isso não significa que devemos nos fechar ao mundo. Salienta apenas que essa integração será feita em melhores termos se estivermos bem integrados em nossa região”.

Fonte: AgoraRN

Foto: Ricardo Stuckert