O técnico Abel Ferreira não escapou de mais um banho de gelo dos jogadores do Palmeiras durante a entrevista coletiva, nesta quinta-feira. Após conquistar novamente o título do Brasileirão, o português foi interrompido pela festa dos atletas, que já se tornou tradição nesses momentos.

A interrupção aconteceu justamente quando Abel revelava uma reunião que teve no clube quando o Palmeiras ainda estava 14 pontos atrás do então líder Botafogo. A arrancada após a conversa garantiu o 12º Brasileiro do Verdão.

– Lembro que quando estávamos a 14 pontos, tivemos uma reunião com os jogadores e traçamos dois objetivos: um de resultado, que era lutar pelo título, dissemos que só tínhamos um caminho que era lutar pelo título até o fim, e outro que era nosso orgulho, nosso caráter, de uma equipe que ganha títulos de forma consistente – afirmou.

– E mais do que tudo era trazer esse orgulho e caráter que sei que essa equipe tem e que andou perdido em algum momento deste ano, como muitas outras, mas não podemos esquecer porque muita gente quis esquecer dois títulos que ganhamos e não são dois, são três – acrescentou.

Abel Ferreira fez questão de se declarar para os seus comandados, que conseguiram algo que pouca gente imaginava meses atrás.

– Eu amo esses jogadores, essa é a grande verdade, gosto muito muito deles, é minha segunda família. Tenho duas filhas, mas eu gosto desses caras.

Segundo o treinador, o Palmeiras atingiu um nível com os nove títulos conquistados por ele que faz com que a torcida sempre cobre mais e queira conquistas em toda ocasião.

– Subimos o sarrafo, criamos os próprios desafios. Ultrapassamos os próprios limites, contra muitos que eu entendo, porque o clubismo fala muitas vezes mais alto, mas esse grupo é resiliente. As pessoas perguntam qual o segredo e eu não consigo explicar. Sente-se no grupo um respeito, amizade e competitividade muito grandes que são valores que nos acompanham – comentou.

O futuro

Em toda entrevista do técnico nos últimos dias uma pergunta é quase obrigatória: “Vai ficar, Abel?”. E ele mais uma vez respondeu sobre seu futuro. Não deixou claro se vai ficar ou não, mas declarou que o calendário do futebol brasileiro vai ser preponderante para a sua escolha.

– Para o ano que vem vai ser pior ainda, não teremos descanso, vai ser jogo atrás de jogos. O ano seguinte vai ser pior que este, vamos ter jogadores chamados para seleções, começamos dia 17 (de janeiro) a competir, os clubes do Paulista estão se preparando para enfrentar um Palmeiras que ainda vai estar de férias e quando voltar vai ter toda a gente a querer ganhar do Palmeiras. E o que vão exigir a mim? Que faça melhor do que fiz no ano passado – disse.

– Não sei se tenho energia suficiente para dar a estes jogadores o que me deram. O que preciso nesse momento é descansar e muito sinceramente começar a competir no dia 17. Sei muito bem o que aconteceu quando ganhei a Libertadores e o primeiro jogo que fiz a seguir – acrescentou.

Abel está na mira do Al-Sadd, do Catar, para ser um dos treinadores mais bem pagos do mundo. O assunto, porém, tem sido tratado como especulação pelo treinador e membros da comissão técnica.

A intenção do time do Catar é contar com Abel Ferreira a partir do próximo ano. Há três temporadas no comando do Palmeiras, o técnico conquistou o nono título nesta quarta-feira.

Veja mais trechos da entrevista do técnico:

Pressão por títulos:
– A expectativa que criamos acabam por ser nossas próprias inimigas. Somos vítimas do próprio sucesso e não sei se os torcedores palmeirenses estão preparados para que esse treinador perca. Deu para ter uma fotografia de como o futebol pode ser tão grato ou tão ingrato.

– E este grupo merece em todos os momentos que estivemos todos juntos esse grupo merece que os torcedores nos respeitem sempre, mesmo nos momentos difíceis essa galera. Jogamos mal em alguns jogos, mas nunca foi falta de empenho ou de caráter e isso que mais me orgulha.

Psicológico para buscar o título:
 Falei muitas vezes com nossos jogadores quando passamos a frente, colocar-se um pouquinho no lugar do Botafogo, o quanto aquela equipe deve estar a sofrer, quanto aqueles jogadores não sofrem, quanto aqueles torcedores não sofrem, mas competição é assim. Mas nós fomos a equipe que foi capaz e que estava mais preparada para saber lidar com as adversidades e quem sabe se não foi a própria derrota da Libertadores que nos levou mais tempo a recuperar. Foi muito duro, mas acho que nos preparou para o que vinha e nos deu força para competir até o fim.

Escolha por Breno Lopes na reta final:
 Ganhamos e vamos dizer que o treinador é espetacular, inteligente, mágico, tem sempre um plano. Perdemos, é professor pardal. Minha mulher fez uma pergunta se eu queria seguir o que os jornalistas estavam a dizer, mas querem fazer meu papel? Eles que sabem ou eu que sei? Quem é o treinador? O treinador aqui sou eu, por isso disse que a seguir a Libertadores, a equipe de acordo com o que entendi, tivemos jogadores em baixa forma.

– Quando ganhas tanto, cobram como se fostes perfeito e não sou perfeito. Tenho medos, dúvidas, inseguranças. Única coisa que sei e faço é viver o presente, aqui e agora. É o que disse aos meus jogadores. O que é mais importante o destino ou o caminho. O mais importante para mim é a companhia.

– É mais do que futebol é uma forma de viver. Às vezes tentam decifrar e fico contente, porque não sabem se Breno joga dentro, joga fora, se joga para trás, para frente, se é com Mayke, Arthur, Rony, Endrick, que nos ajudou muito.

Vai ficar?
– 
Em primeiro lugar gostaria de dizer saem notícias absurdas de dinheiro que eu ganho que é tudo falso e mentira, nunca foi uma questão de dinheiro, se não tinha saído há dois ou três meses atrás. Treinadores que saíram para outros clubes, o lugar foi oferecido a mim e eu não quis. Há um mês uma equipe também quase todas desses lados e eu não quis ouvir, mas também não posso esconder… Só de imaginar que no dia 17 (de janeiro) estamos a competir outra vez eu não… Eu tenho que pensar como fiz no final da primeira Libertadores, no final da segunda, e tenho um contrato e contratos são para se cumprir. As clásulas são para se cumprir. Para os dois lados. Mas também vos disse que estou cansado, são três anos seguidos, quanto mais ganhas, maior a exigência, mais te cobram, maior a cobrança, mais energia tenho que dar aos outros, é puxar pelos mesmos, vamos lutar pelos mesmos objetivos.

– Para o ano vai ser pior ainda, não teremos descanso, vai ser jogo atrás de jogos. O ano seguinte vai ser pior que este, vamos ter jogadores chamados para seleções, começamos dia 17 a competir, os clubes do Paulista estão se preparando para enfrentar um Palmeiras que ainda vai de férias e quando voltar vai ter toda a gente a querer ganhar do Palmeiras. E o que vão exigir a mim? Que faça melhor do que fiz no ano passado. Não sei se tenho energia suficiente para dar a estes jogadores o que me deram. O que preciso nesse momento é descansar e muito sinceramente começar a competir no dia 17 sei muito bem o que aconteceu quando ganhei a Libertadores e o primeiro jogo que fiz a seguir. Vou para casa com minha família, descansar e isso que é mais importante para mim no momento, desfrutar dos meus pais, dos meus amigos. Não deixa de ser verdade que tenho um bom contrato aqui. Mas quero ter tempo para gastar o meu dinheiro.

Mais sobre o futuro
 Eu vivo muito com o aqui e com o agora. Sempre aprendi ao longo de 44 anos, comecei a pensar de forma séria a partir dos 18 anos, e experiência diz que a única constante da vida é a incerteza. Não sabia se vinha ao Brasil, se ia ganhar títulos, se ia ser demitido em três meses como fazem aqui, portanto a única coisa que disse aos nossos torcedores: desfrutem desses três títulos, desfrutem de mais um título. Nunca na história o Palmeiras ganhou tanto em tão pouco tempo. Foi o que disse aos nossos jogadores. Vamos desfrutar e o que tiver que acontecer será o melhor para todas as partes, isso que é o mais importante.

– Seja qual for a decisão. Contrato é para se cumprir e pronto. Mas o mais importante tenho que descansar minha cabeça. A decisão pode ser ir para casa. Pode ser ficar em casa e descansar, mas como vos disse eu só em pensar que dia 5 ou 8 tenho que estar aqui e se não ganharmos o primeiro jogo não sei o que vai acontecer. Tenho que pensar com minha família e a decisão, ao contrário do que foi os últimos anos, ela foi sempre tomada por mim de forma egoísta. O futebol tem coisas mágicas, mas outras que nos tira muito. Chegou a altura de eu dar todo tempo a minha família que eu em função do trabalho que tenho, retirei. É verdade que vou decidir, mas o que vou decidir é o melhor para a minha família, não é o que é o melhor para o Abel.

Momento mais difícil e o mais feliz
– Maior dificuldade foi ser ofendido publicamente por pessoas que tem muita responsabilidade no futebol brasileiro, porque não me conhecem nem como homem, conhecem como treinador, e chamarem de colonizador. Isso magoou muito porque ninguém me conhece. Nem eu tenho culpa do que meus antepassados fizeram aqui. E não foi só uma vez, foram várias vezes, por vários comentaristas, jornalistas, entidades. isso foi a parte mais triste.

– A parte mais mágica foi vir para o clube certo na hora certa, vir para o Palmeiras, um clube que aprendi… Vocês usam muito amar, aprendi a gostar (risos). Tem uma cor que particularmente gosto que é o verde e acima de tudo poder partilhar momentos de muita alegria com meus jogadores que são eles que me fazem ganhar. Deram uma responsabilidade muito grande, puseram a alma deles na minha mão, mas acho que certa forma conduzi bem, nos bons e maus momentos. Ganhamos muitos títulos, perdemos outros tantos.

– Há muito torcedor só da vitória, não é torcedor do clube, e isso aos poucos tem que mudar. Temos que apoiar em momentos difíceis, mas pronto a parte mais positiva… a competitividade do futebol brasileiro, é muito difícil. Acho que só em 1992 e 1993 um clube conseguiu ganhar duas vezes seguidas. Isso mostra bem a incerteza que foi.

As condições do campeonato:
 A única constante desse campeonato foi a incerteza, mas também a capacidade dos treinadores. Nunca pensei que tinha que fazer em conta um plano estratégico que tinha que ter em conta as condições do gramado e o clima. O clima interfere na forma de pressionar. Nunca pensei em jogar em Fortaleza e ter que alterar o plano pela temperatura. Sou muito melhor treinador hoje do que quando cheguei. Era bom antes, mas sou muito melhor agora. Esses anos tem sido muito bons para todos e normal que outros clubes procurem.

– Conseguimos construir um plantel curto, equilibrado, onde todos estão satisfeitos, não há confusões. Tentar criar rótulo de que o treinador do Palmeiras não gosta da base foi algo que magoou. Tem que haver um vilão e herói, mas no futebol para mim é tão importante o jogador que faz o gol quanto o que rouba a bola. Vejo o futebol como vejo a sociedade, onde todos dependemos um dos outros. Mais que uma filosofia de jogo é uma filosofia de vida, onde todos somos respeitados por todos e por cada um.”

Fonte: Ge

Foto: Marcos Ribolli