A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em suspender o piso salarial dos enfermeiros, técnicos e auxiliares da enfermagem e parteiras, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 4 de agosto, vem causando reação das categorias desde a decisão liminar proferida um mês depois pelo ministro Luís Roberto Barroso. No Rio Grande do Norte, os profissionais realizarão uma paralisação de suas atividades na próxima quarta-feira, 21 de setembro, na Praça 7 de setembro no centro de Natal. Além disso, realizarão outras paralisações semanais e já entraram em estado de greve.

“Estamos motivados para continuar com a luta pelo nosso piso salarial. Recebemos mais de 100 colegas enfermeiros de vários municípios para debater e tomar de decisões com toda classe da enfermagem”, declarou  o presidente em exercício do Sindicato dos Enfermeiros do estado (Sindern), Matheus Oliveira.

Além da paralisação geral da enfermagem pela implementação do piso, estão previstas paralisações seguindo orientação do Fórum Nacional da Enfermagem e Federação Nacional dos Enfermeiros para semanas subsequentes. Em estado de greve, eles estão a postos caso as entidades sindicais e centrais convoquem paralisações e mobilizações nacionais e locais.

No último dia 9 esses profissionais já cruzaram os braços. Eles relembram a importância do trabalho deles no serviço prestado à população e cobram que a lei n° 14.434/2022, que instituiu o piso, seja implementada e cobram ainda a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro ao dispositivo que garantia o reajuste anual automático dos valores com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

“É essa categoria que mantém os trabalhadores e trabalhadores, que constroem a riqueza desse país, vivos. É essa categoria da enfermagem que faz curativo, que dá banho no leito, que troca fralda, que faz medicação de horário, que faz reanimação, que faz voltar a vida das pessoas que estão prestes a morrer. É essa categoria que mantém viva a classe trabalhadora”, declarou Érica Galvão, diretora do Sindsaúde/RN e técnica de enfermagem. 

A deliberação das categorias ocorreu na quarta-feira passada, antes mesmo do STF iniciar a votação da liminar pela suspensão, que começou na quinta-feira e terminou ontem (16).

Em decisão liminar, o ministro Luís Roberto Barroso apontou riscos à autonomia e higidez financeira dos entes federativos, impactos sobre a empregabilidade no setor e sobre a própria prestação dos serviços de saúde. O ministro disse que é a favor do piso salarial da enfermagem, mas aceitou a suspensão diante do risco de descumprimento imediato da lei. Segundo ele, hospitais particulares estavam realizando demissões por antecipação. Além disso, obras sociais, santas casas e prefeituras relataram que não têm recursos para fazer o pagamento do piso.

O placar final foi 7 votos a 4 contra o pagamento imediato do piso. O último voto foi proferido pela presidente, ministra Rosa Weber, que é oriunda da Justiça do Trabalho. Apesar do pleno já ter formado maioria contra a implementação do piso no dia anterior, ela votou favorável ao pagamento e destacou que as argumentações dos impactos financeiros informados pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) já foram avaliadas pelos parlamentares, durante a tramitação da matéria no Congresso Nacional.

“A avaliação de riscos e impactos negativos produzida unilateralmente pela entidade autora não pode prevalecer, ao menos em juízo delibatório [apreciação judicial], sobre as conclusões formuladas pelo Congresso Nacional com base em estudos e relatórios elaborados em conjunto com os representantes dos setores público e privado, inclusive com órgãos e entidades da sociedade civil organizada”, afirmou.

A ministra também descartou risco de lesão à autonomia dos estados e municípios. “O diploma legislativo impugnado, editado pela União no exercício de sua competência constitucional, apenas institui o parâmetro remuneratório mínimo, cabendo a cada um dos demais entes da federação definir, no âmbito do próprio território, o quantum remuneratório a ser pago a seus respectivos servidores públicos”, completou.

A decisão do STF vale até os governos informarem de forma detalhada, em até 60 dias, o impacto da lei. Com a suspensão determinada pelo STF, caberá ao Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e Federação Brasileira de Hospitais (FBH) se manifestarem.

Piso

A Lei 14.434 estipula que, em todo o país, enfermeiros não poderão receber menos que R$ 4.750, independentemente de trabalharem na iniciativa privada ou no serviço público federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, mas não apenas isso, uma vez que 70% (R$ 3.325) deste valor deve ser pago aos técnicos e 50% (R$ 2.375), para auxiliares e parteiras.

Pela lei, os pisos salariais devem ser aplicados por todos os setores até o início do próximo exercício financeiro. Por enquanto, só poderá ser aplicados em instituições privadas e filantrópicas e municípios que tenham disponibilidade orçamentária.

Em todo o Brasil, mais de 2,6 milhões de profissionais serão impactados com a lei, sendo 642 mil enfermeiros, 1,5 milhão de técnicos, 440 mil auxiliares e 440 parteiras, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Confen). A entidade alerta, porém, que o profissional pode ter registro em mais de um segmento.

CNM vê diminuição de equipes de saúde

Um estudo técnico da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta que 1,1 milhão de potiguares, ou aproximadamente 40% da população do Estado, ficará desassistida com a implementação do novo piso da enfermagem. A entidade calcula que os municípios teriam que demitir 454 equipes da Estratégia Saúde da Família (eSF) e da Atenção Primária (eAP) para equilibrar as contas públicas, isto é, pagar o novo piso sem aumentar o gasto com folha de pagamento. Segundo a CNM, despesa anual do Estado com enfermagem é de R$ 93,3 milhões e impacto do novo piso seria de R$ 62,1 milhões.

O levantamento da CNM considera que o desligamento de profissionais será a única alternativa para sobrevivência econômica dos municípios, caso a fonte dos recursos para o custeio da medida não seja especificada pelo texto da Lei 14.434/2022, já sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O texto aprovado pelo Congresso fixou o piso nacional em R$ 4.750 para os enfermeiros, valor referência para as novas remunerações de técnicos de enfermagem (70%), auxiliares (50%) e parteiras (50%).

Entre as regiões, o Nordeste seria o mais afetado com um impacto de R$ 939 milhões. Estima-se que os municípios nordestinos terão que desligar 6.645 equipes, o que representa 37% do total de equipes credenciadas. Aproximadamente 17,9 milhões de nordestinos poderão ficar sem as ações e os serviços básicos de saúde. No Brasil, a CNM aponta que o piso pode deixar quase 35 milhões de pessoas desamparadas, o que corresponde a 23% da população atendida pelas equipes eSF/eAP.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estimou que o piso da enfermagem, sem fonte de custeio definida, terá um custo extra anual de R$ 9,4 bilhões aos cofres. Segundo a entidade, para evitar o descontinuamento de outros programas sociais se o pagamento do piso for liberado pela Justiça, os prefeitos serão obrigados a demitir até um quarto dos 143,3 mil profissionais da enfermagem ligados à Estratégia de Saúde da Família (ESF). Como consequência, 35 milhões de brasileiros deixarão de ser assistidos.

O presidente da Confederação dos Municípios, Paulo Ziulkoski, afirmou que reconhece a importância de valorizar esses profissionais, mas alerta para a inviabilidade no atual cenário e os efeitos da medida na prestação de serviços à população.

Fonte: tribuna do Norte

Foto: Adriano Abreu