O município de Timbaúba dos Batistas, localizado na região do Seridó, ganhou menções em revistas, jornais, sites e redes sociais depois da divulgação do nome de Helô Rocha, estilista potiguar cujo trabalho está associado ao saber das bordadeiras seridoenses, como também a renda de bilro da Vila Ponta Negra, como autora do vestido usado por Rosângela Silva (conhecida carinhosamente por Janja) e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A bordadeira Valdineide Dantas, de 32 anos, protagonizou um vídeo publicado no Instagram de Lula, filmado em 19 de abril como parte dos registros sobre o casamento. Quem não acompanha o noticiário sobre moda e celebridades, passou a conhecer os detalhes da união entre as estilistas potiguares Helô Rocha, Camila Pedrosa e as bordadeiras do Seridó.

Valdineide há seis anos dedica-se ao design de bordado junto às estilistas potiguares. Já se vão mais de 50 vestidos, um deles para atriz para atriz Ísis Valverde. No caso do vestido e lembranças do casamento de Lula e Janja, Helô Rocha passou o tema escolhido pela noiva: Luar do Sertão. Nascia constelações de estrelas que maravilharam o Brasil. “Fiz a criação do design e bordei também”, a bordadeira, que junto a mais cinco artesãs dedicaram 45 dias de trabalho para a confecção das peças bordadas com motivos sobre a paisagem do sertão e céu estrelado. Até finalmente chegar na emblemática frase “O Amor Venceu”. 
O desenvolvimento do vestido começa na escolha do tema. No caso de Janja, Helô foi quem apresentou o motivo escolhido pela noiva. Valdineide passou a criar sobre constelações de diferentes estrelas, cactos e todo um mundo sertanejo. Definido o esboço dos desenhos, estilista e bordadeiras passam então a escolher técnicas de bordado, tecidos, linhas e demais itens da confecção. A internet, diz a bordadeira, revela-se uma aliada importante no trabalho sem fronteiras entre o região e universal. Cada processo é acompanhado por toda equipe, artesãs, estilistas e, claro, a noiva. Sobre o momento em que a noiva finalmente aparece vestida na cerimônia, o sentimento de ansiedade dá lugar ao orgulho. “É muito gratificante participar de um momento tão importante e olhar para aquela peça e sentir o orgulho do nosso trabalho”, revela. Filha da bordadeira Ana Francineide Dantas e neta de costureira, Valdineide borda desde os 11 anos de idade. 
Ainda surpresa com a repercussão do vestido de Janja, a bordadeira não consegue pensar numa celebridade ou famosa que desperte um desejo especial de criação. “Eu fico muito feliz de fazer cada uma, tanto das noivas famosas e das que não são. Todas que querem o vestido exclusivo, um vestido com design de bordado. Eu fico feliz em fazer os desenhos e bordados para todas, eu amo criar cada vestido. No meu processo com Helô, eu já fiz mais de 50 vestidos, cada um tem um risco, uma história diferente”, resume Valdineide.
ABZ Tribuna do Norte recebeu com exclusividade o vídeo da bordadeira Djeane Cristina no qual o ziguezague da máquina de costura pesponta o tecido ao movimento criativo da bordadeira e, então, entre estrelas, vai ganhando forma a frase “O Amor Venceu”, escolhida para ilustrar os presentes dos convidados. O fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stucket, esteve em Timbaúba dos Batistas, onde registrou o trabalho das artesãs na Casa dos Bordados. 
Considerando o simbolismo do nome dos noivos, pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que o saber das mulheres do Seridó e o criativo das estilistas potiguares Helô Rocha e Camila Pedrosa agora fazem parte da história do Brasil. Timbaúba dos Artistas – um município de apenas 2.427 habitantes, de acordo com a última estimativa do IBGE – que se orgulha de ser capital mundial do bordado, definitivamente cravou o nome na história da indumentária do Brasil. O amor pelo bordado venceu. 
Tradição do bordado remota ao século XIX no EstadoFeito à mão, à máquina de pedal ou à máquina a motor, o bordado do Seridó se expressa por meio de peças criativas de estilo único e grande beleza. Os desenhos e os temas são os mais variados, mas há um único tipo de acabamento, que é inconfundível. Para manter seu trabalho dentro das especificações, as artesãs só podem utilizar 12 pontos: ponto cheio, richelieu, matiz, costurado, rococó à mão, rococó à máquina, aberto ou bainha, turco, rústico, quebra-agulha/espinho, crivo e granito.
Produzido por artesãs de doze cidades do Seridó no Rio Grande do Norte – Caicó, Timbaúba dos Batistas, São Fernando, Serra Negra do Norte, Acari, São João do Sabugi, Jardim do Seridó, Ipueira, Cruzeta, São José do Seridó, Jucurutu e Ouro Branco – a tradição do bordado remonta ao século 19, vindo de Portugal ao interior do RN, mas que foi ganhando características próprias, identificado geograficamente também pela fauna e flora locais.
São cerca de 300 anos de história. A arte de bordar chegou ao interior do Rio Grande do Norte por meio das mulheres dos colonizadores portugueses, no início do século 18, vindas da Ilha da Madeira. No começo, o bordado era feito somente à mão, para decorar o lar, como passatempo ou para compor os talentos de uma jovem prendada. Mais tarde, com a chegada de novas tecnologias, o artesanato passou a ser feito em máquinas simples ou de pedal, ganhando outros detalhes e elementos. Envolve principalmente o “saber fazer” e as práticas socioculturais enraizadas na região. As características peculiares desse bordado o diferenciam das técnicas de outras regiões brasileiras.
Apesar de ter sido feito à mão por um longo período e apenas para uma clientela específica, quando ganhou fama, o bordado se tornou um produto que gera renda para muitas famílias da região. E embora a agricultura seja a principal fonte de renda de muitas famílias, especialmente na zona rural do Seridó, as bordadeiras colaboram de maneira significativa para a renda familiar da região. Graças à atividade das artesãs, mesmo quando os recursos da agricultura se tornam escassos, as famílias conseguem garantir uma fonte de renda. O bordado do Seridó recebeu, em 2020, o Signo de Indicação de Procedência entregue pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). É um selo de qualidade que determina especificações para que o bordado possa ser considerado um bordado do Seridó. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) também atesta que o bordado é reconhecido como uma das expressões culturais da região.
Atualmente, o Rio Grande do Norte tem 9.680 artesãos cadastrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab). A regulamentação da profissão institui políticas públicas para o setor e a carteira profissional para a categoria. 
Bate papoHelô Rocha“A gente imagina e ela vai criando dentro do briefing”
Como, para uma estilista, é o dia em que finalmente todo mundo vai ver a noiva vestida?De ansiedade e vontade de superar as expectativas da noiva principalmente e emocionar o noivo.
Como você lida com a expectativa?Nosso objetivo é sempre superar as expectativas. Fazemos de tudo mesmo, até o último minuto para que isso aconteça.
O vestido de Janja/Lula mostrou uma ligação já existente no seu trabalho com o bordado e a renda potiguar. Qual a sensação de poder reverberar um saber da mulher potiguar?É uma satisfação indescritível. Poder ser porta voz dessas mulheres guerreiras e mostrar a beleza, sensibilidade e primor do trabalho delas, é uma honra e meu dever.
Ao conversar com Valdineide, percebi que o processo de desenvolvimento colaborativo. Você pode falar como se dá o processo criativo?Totalmente colaborativo. Todos os envolvidos em todas as etapas são excelentes nas suas áreas, então como não ser? No caso da Patinha (Valdineide), passamos as referências de bordado, de desenho e ela vai criando com o traço dela e nos mandando, no caso de Alcilene, a gente imagina a riqueza dos pontos e ela vai criando dentro do nosso briefing. Mas todos os envolvidos são ouvidos e colaboram para a peça ficar perfeita, inclusive a noiva.
Quanto à emoção do noivo: o que disse Lula sobre o vestido?Eu vi que ele ficou muito emocionado e nos agradeceu.

Fonte: Tribuna do Norte

Foto: Divulgação