O reencontro do festival MADA com seu público, após dois anos de silêncio pandêmico, foi uma festa cheia de sons e, principalmente, de vozes. Artistas de variados segmentos conduziram uma plateia tão diversa quanto eles, numa estimativa de 25 mil pessoas em duas noites na Arena das Dunas – a maior parte na sexta-feira, segundo a organização do evento. A maratona sonora foi encarada com disposição por músicos e público, com seus erros, acertos, altos e baixos, e tudo aquilo que faz parte da condução de um festival grande de música. 

A noite de sexta começou em embalo de hip hop, gênero que alcançou um espaço cativo no festival, reflexo da força de seus novos talentos nacionais. O rapper natalense Cazasuja foi destaque no início da noite, disparando frases fortes e orgulho periférico. Aliás, as manifestações políticas espontâneas, da plateia e de alguns artistas, deram o tom nas duas noites. O som pouco potente da primeira noite gerou reclamações. 

A baiana Josyara foi a primeira surpresa da noite: voz possante embalando um ijexá funkeado, com beats graves, e citações à Chiclete com Banana e Cátia de França. Os paulistas do Terno Rei voltaram a sintonizar o MADA com o rock, conduzidos pelas melodias noturnas dos anos 80 e sintetizadores bem colocados. 

Abriu caminho para a cantora drag Potyguara Bardo instalar seu mundo pop existencialista no palco. Em uma apresentação orgânica, quase rock,  ela brincou com o clássico “Wicked games”, de Chris Isaak, e fez releituras dos próprios hits, como “Oasis”, seu maior sucesso, cantada em coro pela plateia. 

O rapper Emicida entrou mais cedo no palco, devido a um vôo antecipando, trocando de horário com  Letrux. A pequena confusão não alterou o seguimento da festa, com Emicida entregando tudo que seus fãs queriam ouvir: rap com melodia pop e mensagens positivas. Quem tem fãs devotados tem tudo. Em seguida, Letrux entrou em cena com seu ‘glam pop’ moderno, cheio de sentimento e deboche. Letrux também é atriz, e sabe como tomar conta do palco. Dedicou parte do show ao disco “Aos prantos”, lançado durante a pandemia, e não esqueceu de “Em noite de climão”,  que lhe rendeu a popularidade atual. 

Glória Groove mostrou porquê é um fenômeno pop gigante entre as cantoras drag. Além de ter hits pra dar e vender, une tudo isso com precisão coreográfica, trocas de roupas, atitude, e o glamour exigido pela classe. Destaque para o momento “r&b de arena”, com vestido longo, cabelos esvoaçantes e canção grandiosa. Entregou tudo, como se diz. O rapper mineiro Djonga também entregou o que seus fãs queriam: momentos pra pular e também pra…se

Sábado à noite,  os embalos do MADA continuaram, com  público um pouco menor que na noite anterior, mas ainda bem cheio. A neopsicodelia rock da banda goiana Boogarins foi a primeira trilha se destacar na noite, enchendo o palco de climas atmosféricos e cativantes. A plateia embarcou na viagem. 

A trupe baiana Afrocidade pôs o povo pra dançar, colocando o novo pagodão baiano (antiga “swingueira”)  na pista, com MCs, cantora, DJ e dançarinos para embalar o groove nagô. O rapper Don L, artista nordestino que ganhou projeção nacional, captou a plateia com suas letras graves, mas também abriu espaço para a melodia. 

Sensação do momento, Marina Sena fez uma apresentação tão ensolarada quando seus hits. Brincou com o namorado baterista, elogiou o público, e se controlou pra não fazer um “stand up”. A simpatia combinou com os sucessos “Me toca”, “Por supuesto”, “Amiúde” e “Ombrim”. 

A cabo-verdiana Mayra Andrade trouxe o groove ancestral para ensinar com melodia e carisma onde tudo começou. Seu afro-pop entre o moderno e o tradicional exige atenção, e deliciou quem embarcou na proposta. A versão de “Lamento sertanejo”, de Gilberto Gil, comoveu. 

O Baiana System fez um dos seus melhores shows no MADA – e já foram quatro. O som deixou um pouco “o trio elétrico cyberpunk” de antes, para focar no groove, com muitas referências à América hispânica e seus ritmos. A cantora chilena Claudia Manzo reforçou o tom latino-americano e político.  Luísa e os Alquimistas, prata da casa, dedicou o show ao disco novo, “Elixir”. O público ainda está se acostumando com as músicas novas, e sentiu falta dos hits antigos. Normal. 

A cantora e MC trans Linn da Quebrada é a voz mais afiada do  segmento, e refinou seu som experimental com uma banda – incluindo naipe de metais. O som de Linn manda dub, techno e até drum ‘n bass para falar de sexo, e preconceito contra travestis. A festa encerrou com o Baile do DK, que transformou o que seria apenas uma discotecagem, numa performance cênica de teatro, dança e mensagem, com direito a cenários, grafiteiros, bailarinos, e o MC Amém Ore, de Mãe Luísa.

Fonte: Tribuna do Norte

Foto: Alex Régis