Com a posse da operação do Polo Potiguar, em 7 de junho deste ano, a 3R se tornou a segunda maior produtora de petróleo independente do País. A empresa entrou no pregão da Bovespa de ontem com uma capitalização de mercado de R$ 8,6 bilhões. E as 22 áreas de exploração do Polo Potiguar da Petrobras, situado no Rio Grande do Norte, mais a refinaria Clara Camarão, tiveram papel central nessa trajetória.

Apenas um mês depois, a 3R era manchete dos principais jornais econômicos do País, que destacavam um salto de 7,04% no preço de suas ações. O site Infomoney, especializado na bolsa de valores, explicou que “o desempenho é justificado pela incorporação do Polo Potiguar a partir do dia 08 de junho de 2023”.

Outro veículo da área, o Suno, deu a seguinte manchete: “3R Petroleum (RRRP3): Safra vê alta de 85,48% depois de aquisição do Polo Potiguar”. Quem vê esses números não imagina o que a 3R teve que passar para chegar ao primeiro bilhão.

3R Petroleum na Junta Comercial do Rio de Janeiro representavam a JV Tropical Fashion Artigos do Vestuário, empresa especializada em confecção e comércio varejista de roupas. A portentosa 3R Petroleum havia sido um dia a SJV Joias e Bijuterias.

De uma manufatura e lojinha de roupas e penduricalhos para o pescoço até ocupar o badalado código RRRP3 na Bovespa, foram necessários menos de 5 anos. Nesse percurso, a 3R comprou à Petrobras 9 conjuntos de campos de exploração e produção de petróleo e a refinaria Clara Camarão. Ela havia vencido outras duas disputas, mas não teve condições financeiras para efetivar o negócio. Mas persistiu e seguiu vencendo as concorrências, até que entraram em cena novos parceiros.

O primeiro ativo da Petrobras efetivamente comprado pela 3R foi o Polo Macau, um negócio de R$ 676,8 milhões. Em agosto de 2019, a 3R Petroleum Participações S.A. foi anunciada como vencedora da disputa pelo Polo Macau.

Concomitante ao negócio, a Starboard Asset adquiriu 93% da 3R. A Starboard é uma empresa especializada em comprar companhias em dificuldade financeira, melhorar seus índices financeiros e revendê-las com grande margem de lucro.

Era acionista majoritária da Gemini, a empresa responsável pela pane que deixou, por 21 dias, o Amapá sem luz, em 2020. Também foi ela quem venceu o leilão do Rodoanel, em São Paulo, em um negócio envolvido em polêmicas.

Por meio da 3R, a Starboard agora possuía os 7 campos de exploração do Polo Macau. Starboard que esteve envolvida em tantos outros negócios de risco que foram questionados, implicando inclusive em processos judiciais e condenações. Dentre seus executivos, também havia aqueles que tiveram a experiência de gerir empresas proibidas de contratar junto ao poder público por “práticas inidôneas”.

Em fevereiro de 2022, a Starboard anunciou a venda de 22 milhões de ações RRRP3, 11,25% do capital social da 3R, realizando assim parte de seus ganhos. Hoje, a empresa detém 17,70% das ações ordinárias da 3R, geridas por dois fundos de investimento em participações (FIP), o Esmeralda e o Esmeralda II.

Em janeiro deste ano, a 3R anunciou a nomeação do executivo Matheus Dias como seu novo diretor-presidente, substituindo Ricardo Savini, que ocupava o cargo desde a criação da empresa.

Matheus Dias chefiava a equipe de investimentos de risco da Starboard Asset. As mudanças no comando da empresa fizeram parte da reestruturação aprovada pelo Conselho de Administração, liderado pelo ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, sobre quem ainda falaremos.

Pegou no pote sem poder com a rodilha

O Polo Riacho da Forquilha foi a primeira vitória da 3R Petroleum em sua jornada pela aquisição dos espólios da Petrobras. Na ocasião, Ricardo Araújo publicou uma reportagem cujo título já deveria servir de alerta para a Petrobras.

“Capital da 3R é 300 vezes menor que valor da cessão”, dizia a manchete. A denúncia saiu na edição de 31 de novembro de 2018 da Tribuna do Norte. A recém descoberta 3R Petroleum acabava de arrematar os 34 campos de produção de petróleo do Riacho da Forquilha por US$ (R$ 1,8 bilhão).

Em entrevista a Ricardo Araújo, o então secretário executivo da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (ABPIP), Anabal Santos, declarou desconhecer detalhes sobre a 3R. “É uma empresa sem histórico na área de produção de petróleo e não é associada à ABPIP”, disse.

Anabal deu ainda uma declaração que viria a se confirmar profética nos meses seguintes, alertando para o fato de a 3R não ter condições de honrar com os compromissos assumidos.

“Foi um processo mal conduzido. Nós alertamos a Petrobras diversas vezes. Não nos parece razoável que uma empresa faça uma oferta 300 vezes maior que seu patrimônio. É um valor muito elevado”, disse, meses antes de se confirmar que a 3R havia feito um lance bilionário pelo Riacho Forquilha sem possuir condições financeiras, uma clara jogada de risco às custas do interesse público.

Para se ter uma ideia mais clara das até então modestas pretensões da 3R, a mesma reportagem da Tribuna registrou que, em 14 de novembro daquele ano, a empresa havia alterado seu registro junto à Receita Federal para incluir a singela atividade de “reparação e manutenção de computadores e de equipamentos periféricos”. Eles se preparavam para fornecer os serviços do garoto da informática às grandes empresas.

Omissão e negligência. Uma fonte ouvida pela reportagem disse que a 3R “age dessa forma. Eles entram nas disputas sem ter como pagar e ganham, ninguém sabe como. Depois, eles se beneficiam do fato de terem vencido a disputa para conseguir investidores que paguem pela aquisição. É isso, compram o que não podem com dinheiro que não têm”.

Conforme já divulgamos, a lei exige que a desistência pela 3R na compra de Riacho da Forquilha fosse punida com a suspensão da participação em novos negócios com a Petrobras. Se fosse aplicada a lei, a 3R não poderia ter comprado posteriormente os polos Macau e Potiguar e a refinaria Clara Camarão, todos da estatal. Mas, como já vimos, nada se fez a respeito. A explicação para tamanha generosidade talvez se explique pela trajetória de um personagem central desta história, o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco.

Havia um Castello Branco

Roberto Castello Branco foi presidente da Petrobras entre janeiro de 2019 e março de 2021, durante a gestão do ex- -presidente Jair Bolsonaro. Em agosto de 2019, ele assinou o contrato de compra e venda do Polo Macau com a 3R Petroleum.

Nesse caso, ele era o vendedor. Em agosto de 2020, foi ele quem pôs à venda o Polo Potiguar. Já em 3 de maio de 2022, ele assumiu a presidência do Conselho de Administração da 3R Petroleum, permanecendo no cargo até hoje.

Castello Branco iniciou o processo de venda do polo como presidente da Petrobras e concluiu o mesmo processo como comprador, tomando posse dos ativos em 7 de junho de 2023. Apenas mudou de lado no balcão de negócios, a tempo de poder, ele mesmo, comprar o patrimônio da estatal que anteriormente havia posto à venda. Em 2020, foi Castello Branco quem autorizou a contratação do banco JP Morgan como assessor financeiro na venda do Polo Potiguar.

Nessa função, o Morgan não encontrou nenhum problema referente à capacidade financeira da 3R para participar do processo. A mesma 3R que havia faltado com suas obrigações em duas outras concorrências da própria Petrobras. Mas não havia motivos para desconfiar, nenhuma necessidade de averiguar sua capacidade financeira. Com o tempo, tudo foi se tornando mais claro.

Conforme relatamos em reportagem deste Agora RN, publicada ontem, apenas meses após a assinatura do contrato é que a 3R foi atrás de dinheiro para pagar pela compra. Quem liderou a contratação do empréstimo pela 3R foi o Morgan Stanley Senior Funding Inc., do Grupo Morgan. Quando o Morgan foi contratado para tratar da operação de empréstimo, Roberto Castello Branco já chefiava a 3R. Castello Branco autorizou a contratação do Morgan para assessorar a Petrobras na venda do Polo Potiguar.

O Morgan não viu problemas na participação da 3R no processo, mesmo com seus antecedentes proibitivos. Algum tempo depois, Castello Branco volta a ligar para o Morgan. Desta vez para pedir um empréstimo destinado a pagar pelo Polo Potiguar, já que a 3R não tinha o dinheiro. Depois meses depois, em outubro de 2022, Castello Branco faz negócio com outro parceiro prioritário.

No dia 19, a 3R anunciava a contratação de outros 500 milhões de dólares para pagar pela compra do Polo Potiguar, através da emissão de debêntures. Desta vez, a operação foi feita junto ao banco BTG Pactual, fundado pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em BTG, o G é de Guedes, Paulo Guedes

Em 24 de julho de 2023, enquanto revisávamos o texto final desta reportagem, era anunciado que Guedes se tornava sócio da Legend Capital, um grupo de investimentos com sede em São Paulo.

Ele será presidente do conselho da empresa e terá a missão de montar um time de executivos com foco em reestruturação de empresas. A Legend Capital é um grupo de gestão de investimentos formado pela Legend Wealth Management (LW), braço especializado na gestão de fortunas, e a Legend Investimentos (LI), assessoria de investimento ligada ao BTG Pactual.

Já o BTG Pactual é a organização fundada por Paulo Guedes que lucrou bilhões nos 4 anos do governo Bolsonaro, envolvendo-se em diversos negócios com o governo. Paulo Guedes foi ministro da Economia durante todo o governo Bolsonaro, sendo porta-voz e garoto-propaganda dos desinvestimentos da Petrobras. Ele julgava que eram negócios ruins a estatal.

Mas depois mudou de ideia e resolveu se tornar sócio do que havia sido vendido. E o lugar dele à mesa dos compradores já estava reservado. BTG é a sigla de Banking and Trading Group, mas esse G aí bem que podia ser de Guedes. Em seu portfólio, o BTG Pactual WM Gestão de Recursos Ltda é detentor de 5,45% das ações ordinárias da 3R, as RRRP3 da Bovespa.

Fonte: AgoraRN

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